domingo, 11 de março de 2012

Copa do Mundo e Jogos Olímpicos: Quanto nós vamos lucrar?



“Mas o Brasil vai ficar rico! Vamos faturar um milhão...”

O esporte é apaixonante.Ele é capaz de gerar as mais indescritíveis emoções, mover multidões, arrebatar corações, construir e derrubar sonhos, parar guerras, unir inimigos, enfim, o impacto que ações motoras como correr, nadar, chutar ou quicar uma bola podem ter sobre o mundo é impressionante.

Esse poder atinge o ápice em dois eventos: Copa do Mundo de Futebol e a versão moderna dos Jogos Olímpicos. Bilhões de pessoas no mundo inteiro acompanham cada detalhe dessas competições, com olhos atentos e corações aflitos. Durante praticamente um mês, todos os olhos do mundo voltam-se para um único país. Boa parte desses olhos estão dispostos a gastar com isso, e é de olho nessa grana que os países literalmente disputam a tapas o direito de ser a sede da Copa ou Olimpíada.

O Brasil é a bola da vez: Sediaremos os dois, com apenas dois anos de intervalo entre um e outro. Pode ser a hora e a vez do Brasil arrecadar bilhões, mostrar-se para o mundo e deixar um legado enorme em vários sentidos, para o futuro. Ou pelo menos é o que está na boca do povo e da mídia, que em meio a diversas polêmicas, parece otimista pelo menos nesse sentido: No final, o Brasil sairá dessa mais rico do que entrou. Mas será que é verdade? Fazendo uma analogia, o Brasil está preparando duas baladas (onde as pessoas que vem se divertir gastam, e quem trabalha lucra) ou duas festinhas de aniversário de criança (onde quem organiza trabalha e gasta pros outros se divertirem)?

Será que eles vem?

A maior esperança que o país sede tem de lucrar com a Copa ou Olimpíada provém dos turistas. Teoricamente, cada país participante deve trazer consigo muitos milhares de turistas para ver os jogos, e esses turistas vem dispostos a conhecer nosso país, se divertir, e claro, gastar. Além disso, a grande exposição do país para o mundo vai mostrar como o Brasil é um país abençoado, e nas temporadas futuras teremos muito mais turistas do que temos atualmente. A lógica faz sentido, mas essa história está um pouco mal contada. Vamos por partes:

Algo que quase ninguém lembra (ou sabe) é que o sorteio dos grupos da Copa do Mundo é aleatório, pero no mucho. Funciona mais ou menos assim: Os melhores colocados no ranking da Fifa são cabeças de chave, ou seja, não podem cair no mesmo grupo e de quebra tem o direito de escolher a cidade onde vão jogar. Como eles não são bobos, vão escolher cidades onde estarão “em casa”... Traduzindo em miúdos: Se puder escolher, a Itália certamente jogará em São Paulo, por conta da enorme colônia italiana na terra dos bandeirantes. A Alemanha deverá jogar em Santa Catarina pelo mesmo motivo. Argentina e Uruguai devem jogar, respectivamente, em Curitiba e Porto Alegre, para que os seus torcedores possam ir de carro assistir aos jogos, e assim por diante.

Os estádios estarão cheios e essas seleções terão muitos torcedores sim, mas a maioria deles são pessoas que ou já moram no Brasil, ou moram tão perto que não precisam de uma Copa do Mundo para virem até aqui. Aliás, a forma como o sorteio é dirigido proporciona uma situação em que o raciocínio não se aplica apenas aos cabeças de chave: Se por exemplo, o Japão cair no grupo da Itália, teremos um estádio totalmente lotado de paulistanos, mas quem olhar de fora pode pensar que só ali estão presentes 60 mil turistas estrangeiros.

Mas não acabou: A Europa é o continente que manda mais competidores tanto para a Copa quanto para a Olimpíada, e realmente os europeus estão acostumados a viajar para assistirem grandes eventos esportivos. Acostumados a viajar na Europa, onde é possível morar na França, fazer compras na Alemanha, assistir o jogo na Itália e voltar pra casa no mesmo dia, de trem. Agora, quando se trata de viajar para países distantes, a coisa muda de figura: Existe exemplo melhor do que a Copa de 2010, na África do Sul? O fluxo de turistas europeus (aliás, o fluxo de turistas de qualquer lugar do planeta) foi muito aquém do esperado, e o que se viu foram aeroportos relativamente vazios e muitos estádios mais vazios ainda.

Para piorar, há o fato de que estamos vivendo uma crise mundial terrível, e na Europa estão matando cachorro a grito. É impossível prever com exatidão, mas pelo andar da carruagem, é improvável que daqui a dois anos a maioria dos europeus esteja podendo (ou querendo) gastar dinheiro com esses luxos. Considere também que Copa e a Olimpíada são disputadas em pleno verão europeu, época em que seus cidadãos preferem ficar curtindo por lá mesmo. E não podemos nos esquecer que férias de 30 dias é algo tão brasileiro quanto o samba: No resto do mundo, as chances de você conseguir dispensa do seu emprego por tanto tempo para viajar em plena crise econômica são tão grandes quanto as chances da Bolívia vencer a Copa...

Se nada disso te convenceu, vamos olhar a história recente: Japão e Coréia do Norte registraram um fluxo de turistas praticamente idêntico ao de temporadas normais, quando sediaram a Copa do Mundo em 2002. Idem às Olimpíadas de 2004, em Atenas, e 2008, em Pequim. Na copa de 2006, na Alemanha, o suposto aumento no número de turistas teve um impacto tão irrelevante que sequer entrou no balanço anual da economia do país. Por fim, a Africa do Sul até registrou mais turistas que o normal em 2010, mas ainda assim, foi muito abaixo do esperado e o dinheiro arrecadado não chegou nem perto de cobrir o que foi gasto. Ah, quase esqueci, diferente do que se fala, nenhum desses países registrou temporadas mais animadas do que o habitual nos anos seguintes...

A conta que a Fifa e o COI não contam

Sediar um evento desse tipo pode sair bem mais caro do que o esperado. Aliás, geralmente, sai. E nem é (apenas) por corrupção, mas também por outros motivos: É bem normal que o dinheiro gasto em estrutura supere bastante o que foi orçado originalmente, pois esse valor inicial é calculado sob a expectativa de que tudo vai acontecer na mais perfeita ordem possível, o que é improvável. No Brasil então, nem se fala: O jeitinho é cultural. Basta comparar o dinheiro que estava previsto para ser gasto com a realização do Pan Americano (evento pequeno perto de uma Olimpíada, por exemplo) e o dinheiro que efetivamente foi gasto (sem contar o que foi desviado).

Mas além do montante de dinheiro investido antes do evento, muito alardeado, existe outra conta menos famosa: O que se gasta depois do evento. Veja bem: Construir estádios pode sair muito caro, muito caro mesmo. Mas manter estádios pode ser tão caro quanto, ou até mais. E é por isso que tão logo acabou o Pan, a prefeitura do Rio de Janeiro foi atrás de alguém para assumir os custos do Engenhão.

Nesse sentido, o polêmico estádio corinthiano em Itaquera pode ser visto até como um problema pequeno, pois é um estádio particular e espera-se que o Corinthians cuide dele. Ou que o próprio estádio se mantenha, já que por ser o estádio de um time grande com milhões de torcedores, será usado com frequência e terá sua própria renda (apesar de que esse dinheiro será usada para pagar a empreiteira, durante um bom tempo). Estádios como o Maracanã (que por sinal está recebendo sua terceira reforma milionária em 10 anos...) e o Beira Rio seguem esse modelo de estádios “auto-suficientes”. Mas e os estádios construídos em lugares onde não existe futebol profissional de grande nível, como Manaus ou Cuiabá? Alguém vai ter que pagar a conta deles. Conta mensal! É como se você construísse uma casa com uma piscina gigantesca, desse uma festa lá, nunca mais voltasse, e continuasse pagando todas as despesas (enormes, por sinal) que uma casa desse tipo te dá. Esses estádios podem ser encarados como uma dívida grande que não tem hora para acabar.
Falando em Corinthians e em dívida eterna, muita gente influente no Parque São Jorge acredita que nos moldes em que o acordo foi feito, é impossível para o clube pagar a dívida. A empreiteira tem ciência disso, já tem engatilhada providências para não sair no prejuízo e esse estádio pode se tornar um baita presente de grego no futuro. E há outros estádios em situação parecida.

Legado indesejado

A Copa e a Olimpíada poderiam ser muito úteis para a população, pois elas acabam acelerando e motivando obras de infra-estrutura urbana que deveriam ser feitas com ou sem o evento. Mas, faltando dois anos para a Copa do Mundo, pouco (ou nada) se viu nesse sentido, na maioria das cidades sedes. O que se viu na verdade, foi muito discurso vazio, caras lavadas com óleo de peroba e até alguns casos curiosos. Um exemplo é, novamente, a situação de São Paulo: Para a Copa do Mundo, o governo do Estado tratou de resolver o problema do acesso ao Estádio do Morumbi, que além de duas estações de metrô super próximas, vai ganhar inúmeras melhorias nas principais avenidas que dão acesso ao bairro. Faria todo o sentido, se não fosse um detalhe: A Copa do Mundo será em Itaquera, do outro lado da cidade. E em Itaquera as coisas continuam como sempre foram, e isso quer dizer que ir pra lá não é um passeio no parque, especialmente nos horários de pico, seja de carro ou ônibus (pois as principais vias ficam paradas), metrô ou trem (super lotados).

Se pelo menos a população da região do Morumbi pudesse comemorar a gafe do governo ainda estaria bom, mas o que aconteceu foi que tão logo anunciaram que o estádio são paulino estava fora do mundial, também anunciaram que as estações daquela região voltaram ao cronograma normal de expansão do metrô da cidade, ou seja, não vão mais sair tão cedo.

O jeitinho brasileiro aparece também nessas horas: Fala-se em decretar feriado nas cidades sedes nos dias de jogos da Copa. Isso vai garantir, por exemplo, que o metrô esteja funcionando às mil maravilhas e a avenida Radial Leste esteja relativamente tranquila para que as pessoas possam chegar aos jogos no Itaquerão. Mas isso só acontecerá no mês da Copa... Quando a Copa do Mundo acabar, também acabará a mordomia de folgar por causa de futebol, e o efeito que isso terá sobre o direito de ir e vir das pessoas vai se inverter: Se já não é moleza voltar para a Zona Leste no horário de pico de um dia normal, imagine-se tentando chegar em Itaquera às 18:00 horas no dia em que o Corinthians tiver um jogo importante marcado para às 19:00...
O mesmo vale para a segurança e os aeroportos, setores que provavelmente vão funcionar muito bem no mês do evento e voltarão ao normal tão logo fecharem-se as cortinas.

Feriado é outro gasto que não entra nas contas divulgadas na mídia. Na verdade, não é exatamente um gasto, mas sim uma maneira de perder dinheiro (note que são coisas diferentes). É simples: As pessoas não trabalham nos feriados. Se não trabalham, não produzem. Se não produzem, deixam de ganhar dinheiro. Imagine 30 dias com feriados alternados nas principais cidades do país...

Falando em deixar de ganhar dinheiro, as exigências da Fifa e COI impedirão que o Brasil ganhe muito dinheiro e evitarão que muitas áreas cresçam tanto quanto poderiam crescer. O Brasil não vai ganhar um centavo com vendas de ingressos ou espaço destinado aos patrocinadores (esse dinheiro vai para a Fifa e o COI), assim como a maioria dos produtos oficiais da Copa do Mundo e Olimpíada não serão fabricados aqui (as roupas são fabricadas na China, por exemplo). O mercado paralelo vai se beneficiar bastante, da mesma forma que acontece em todas as Copas do Mundo, seja ela no Brasil ou na Lua, e bom, como se trata de pirataria, a questão é polêmica demais para afirmarmos que isso é bom ou ruim. Até serão gerados muitos empregos temporários (já tem muita gente trabalhando por conta disso, aliás) e muitos empregos efetivos, sim, mas o balanço final será apenas a ponta de um Iceberg de oportunidades que não serão exploradas.

Nem mesmo a rede hoteleira deve ficar muito animada. O Rio de Janeiro, por exemplo, é uma cidade turística por natureza e recebe milhares e milhares de pessoas todos os anos. São Paulo está acostumada a receber eventos internacionais de grande porte, como o São Paulo Fashion Week e os GP's de Fórmula 1 e Fórmula Indy, além de ser a cidade que mais recebe pessoas em viagens com fins profissionais, para congressos e afins, na América Latina. Cidades assim tem uma rede hoteleira pronta. As que não tem, bom, tendo em vista tudo o que foi falado acima, correm o risco de viver uma explosão de hotéis abrindo e depois falindo num intervalo de tempo extremamente curto.

Poderia ainda citar outros tipos de absurdos, como por exemplo, pessoas que foram tiradas de suas casas na calada da noite, para que ali fossem construídos estádios, pessoas essas que não receberam nenhum sinal de que ganharão novas moradias. Essas pessoas foram ameaçadas, de forma a garantir que esses casos não caíriam na imprensa. Existem coisas até piores acontecendo, e isso é o que podemos chamar de prejuízo social, mas não discutirei o tema com mais ênfase, pois o texto é apenas sobre a questão financeira.

E se a questão é o legado, o dinheiro gasto em estádios poderia ser usado para nos deixar um legado enorme em educação, saúde e segurança pública. Mas não será. Isso sem contar todo o dinheiro que será desviado para os bolsos de muita gente que vai mamar nessa teta...
Será que é nossa mesmo?
A Bem da verdade, só o que o Brasil vai ganhar no final das contas é uma bela conta para pagar. A Fifa e o COI, por outro lado, encherão seus bolsos, lucrarão bilhões, como sempre acontece. Como brasileiro, sinto-me envergonhado e extremamente triste em saber que, cinco séculos depois, os europeus estão voltando ao nosso país para enriquecer ainda mais às custas dos nossos recursos, e os brasileiros estão aplaudindo e sentindo-se honrados em recebe-los. Sem ganhar nada em troca. A menos, claro, que você seja dono de alguma empreiteira, seja político, ou esteja de alguma forma relacionado com os auto escalões que organizarão as duas festas. Ai você pode acabar ganhando muito dinheiro também...
Alguns bairros podem ter uma valorização dos imóveis, também, então, se você mora em um deles, fique feliz. Mas guarde um pouco do dinheiro: Você não sabe se vai pegar alguma doença grave um dia, mas se isso acontecer, você não vai querer esperar pelo SUS...

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