domingo, 3 de junho de 2012

Eles caçavam Tilacinos...

Dinossauros estão extintos, mas não fazem a menor falta. É, talvez essa afirmativa não combine muito com o blog, mas é a verdade: Eles foram extintos por processos totalmente naturais (a menos que a causa da extinção deles tenha sido algo como uma invasão alienígena. Aliás, sendo alienígenas seres vivos, isso não deixa de ser uma causa natural. Então morreram por causas naturais a menos que a causa tenha sido uma invasão andróide. Agora sim), e isso aconteceu muito antes de qualquer ser humano pisar na face da Terra, então, podem até ter sido animais bacanas, mas não fazem falta pra nenhum de nós. Diferente de outros animais, que nós convivemos, e principalmente, que nós participamos diretamente na extinção. E continuamos participando. Assim como não temos mais dodôs por ai, dependendo da sua idade, você provavelmente não poderá mostrar pros seus filhos muitos dos animais que seus pais te mostraram quando você foi pela primeira vez no zoológico.

Cada espécie que desaparece é uma perca terrível, pois cada animal, microorganismo, fungo ou planta é único e interessante ao seu modo. Veja bem, que graça teria o mundo sem as girafas e os seus pescoços gigantes e manchinhas bacanas? E sem os elefantes, enormes com suas orelhas de abano e sua tromba que parece ter vida própria? A cada dia que passa, a frase "quem viu, viu, quem não viu, não verá mais" é mais aplicável ao meio ambiente.

Muitos animais eram realmente únicos, e dificilmente os veremos por ai de novo. Desapareceram por conta dos abusos de uma espécie invasora (via de regra, nós) deixando seu ecossistema orfão, e por isso fazem muito mais falta do que um Saurópode qualquer. Animais que desapareceram antes sequer de termos começado a entendê-los. Os Tilacinos, Lobos da Tasmânia, por exemplo. Ou seriam Tigres da Tasmânia? Ou nenhum dos dois?



A Austrália (ou a Ocenia como um todo) é um continente que separou-se dos demais e viu a vida tomar caminhos bem diferentes. A esmagadora maioria dos seres vivos australianos é endêmico, ou seja, existem apenas lá e em nenhum lugar do mundo (ignore zoológicos e afins, óbviamente). O isolamento geográfico contribuiu para tornar o lugar uma espécie de reino dos marsupiais. Marsupiais aparecem em outros continentes (são também comuns na América do Sul, por exemplo), mas na Australia, por algum motivo desconhecido, eles superaram a concorrência dos mamíeferos placentários (como nós) e dos monotremados (como os ornitorrincos) e se tornaram os donos do pedaço, ganhando uma variedade não vista em nenhum outro lugar. E graças a magia (ou não) da evolução convergente, alguns marsupiais acabaram ficando bastante parecidos e ocupando o mesmo nicho ecológico que outros animais. Coalas lembram Bichos Preguiça, por exemplo.

Como todos os animais australianos, o Tilacino já era conhecido dos aborígenes a milhares de anos. Surpresos ficaram os europeus quando desembarcaram por lá e deram de cara com esses animais parecidos com lobos... Mas com um marsúpio, aquela famosa "bolsa de carregar neném" na barriga dos cangurus e todos os marsupiais (daí o nome). Algo como lobos cuidando dos filhotes ao estilo Canguru. Aliás, tanto Tilacinos machos quanto fêmeas tinham marsúpios, algo incomum (além dele, só a cuica-d'agua apresenta esse padrão). Mas mesmo para marsupiais, aquele era um animal diferente, por conta do fato do marsúpio abrir na parte posterior, não na anterior (ou seja, a "saida" era virada pro rabo do animal, não pra cabeça, como a dos Cangurus). Ele também tinha algumas listras pelo corpo, como um tigre. Lobo Marsupial, Tigre da Tasmania, ou mesmo  Lobo da Tasmania,  foram alguns apelidos que o animal ganhou. Sim, da Tasmânia: Eles já estavam extintos do continente Australiano quando os exploradores chegaram.

Tilacinos não tem, no entanto, nenhum parentesco com os lobos. Sua estrutura fisica está mais próxima dos felinos, mas eles também não estão muito perto desse grupo. Seu parente vivo mais próximo talvez sejam os Diabos da Tasmânia, mas os tilacinos pertenciam ao seu próprio gênero, Thylacinus, não estando relacionados com os Diabos da Tasmânia, pelo menos não com grande proximidade. A menos que você considere a idéia do Phylocode, ai eles se aproximam um pouco mais, pero no mucho. Tilacinos eram os últimos representantes da sua própria linhagem, animais únicos que evoluíram para se tornar uma coisa só: O pesadelo terrestre australiano.

Versatilidade

Se você olhar para o esqueleto de um Tilacino, verá muitas características que lembram outros grandes predadores, misturados. A estrutura do seu úmero (o osso anterior das patas dianteiras) no extremo mais próximo do cotovelo, por exemplo, era feito na medida para que ele pudesse girá-lo como os felinos fazem. Uma mão na roda na hora de agarrar uma vítima numa emboscada. O Tilacino no entanto, possuia uma estrutura de coluna vertebral e membros bem flexivel, que chega a lembrar a dos caninos, adaptadas para grandes perseguições. O Tilacino estava pronto para perseguir como um lobo, ou surpreender como um tigre. A sua pelagem (com listras) servia como camuflagem para garantir ataques surpresa, e a sua calda longa servia para manter o equilibrio nas corridas. Essa calda ainda permitia que ele assumisse uma postura ereta (servindo como um terceiro apoio, nessa postura um Tilacino ficava parecido com um Canguru), o que provavelmente era usado para que ele pudesse ver um pouco mais longe ou ter uma visão melhor do perímetro.  Um predador completo. Com uma mordida super forte e um ângulo de abertura da mandíbula enorme, típico de marsupiais carnívoros (você não queira tomar uma mordida de um Diabo da Tasmânia, vai por mim). Mas não se engane: Pelo pouco que se sabe sobre seu comportamento, não costumavam lançar mão de grandes caçadas em equipe como os lobos, e sua estrutura muscular não saltava aos olhos, pelo menos não em comparação com animais australianos grandes (como algumas espécies de Cangurus). O provável é que caçasse presas menores.

Não tinham predadores naturais (a menos que se aventurassem em algum lugar onde pudessem ser comidos por um crocodilo), até o dia que o homem chegou. E não chegou sozinho...
De repente, os Tilacinos tinham a concorrência dos Dingos, esses sim, verdadeiros lobos, introduzidos de uma vez no ambiente. Espécies invasoras são um tema já tratado aqui no blog, e o estrago que fazem é bem conhecido. Para azar dos Tilacinos, os Dingos ocupavam o mesmo nicho ecológico que eles. Em partes.

Dingos caçavam de dia, e os Tilacinos, de noite. Não se sabe muito bem qual a população de Tilacinos no continente quando os humanos, e os dingos, chegaram. Como as presas também seguiam esse padrão (algumas noturnas, que se recolhiam de dia, e outras diurnas, que se escondiam de noite), e a fauna australiana é diversificada e relativamente abundante, por mais que fosse esperada uma diminuição da população original, seria improvável que os Dingos causassem um estrago tão grande ao ponto de que os Tilacinos fossem varridos do continente num espaço de tempo curto, pelo menos se pensarmos nos Tilacionos como um animal comum por lá nessa época. É provável que quando os primeiros aborígenes e seus Dingos chegaram à Australia, os Tilacinos já tivessem uma população reduzida por ali. Em disputas na base do "mano a mano" com os Dingos, apesar de ter uma mordida mais forte, é provável que o Tilacino levasse desvantagem, pois os Dingos sempre atacavam em grupos, com estratégias de caça complexas - eram essencialmente lobos, afinal.

Essa vantagem dos Dingos sobre os Tilacinos pode ter atraido a atenção dos aborígenes, e esse pode ter sido seu nemêsis final na porção continental Australiana. Tilacinos costumavam apresentar um comportamento timido na presença de humanos, evitando o contato ao máximo. Nunca houve registro de uma pessoa atacada por um, e isso quase que exclui a possibilidade dos primeiros moradores da Austrália terem caçado eles por medo ou proteção. E se a Austrália está cheia de Cangurus (maiores, mais gordinhos, menos agressivos e mais fáceis de abater - dependendo da espécie, claro) saltitando felizes por todos os lados só pedindo para serem pegos e devorados, torna-se bastante incerto o motivo pelo qual os aborígenes australianos caçavam os Tilacinos, mas o certo é que eles caçavam, e caçavam com regularidade, pois há muitas pinturas em cavernas e pedras mostrando isso. Caçados até a morte na Australia continental, sobreviveram tranquilos na Tasmânia, Nova Guiné e algumas ilhas, onde mantinham uma população expressiva e onde estavam em paz, por um tempo. Até o dia que uma variedade do mamífero placentário invasor ainda pior do que aquela que eles conheciam chegou por lá: O Homem Europeu.

Cabeça a preço de ouro


Tilacinos, como já vimos, não eram o tipo de animal que cercaria um rebanho afim de atacar ovelhas, até porque, apesar dos apelidos, não eram tigres, nem lobos, e seria demasiado arriscado atacar um rebanho de animais desse porte. Mas isso não impediu os recém chegados europeus de dar-lhes os créditos pelos ataques que seus rebanhos sofriam. Bem, na verdade as galinhas eram boas presas para os Tilacinos, e isso deixava os fazendeiros que não tinham ovelhas furiosos também, esses com uma justificativa melhorzinha. Se no começo os Tilacinos eram mais um dos animais australianos inusitados que não fedia nem cheirava pras pessoas, em pouco tempo, virou o inimigo #1 da ordem pública. A partir daí, os Tilacinos passaram a ser caçados por várias décadas por um motivo unicamente humano: O pagamento de recompensas em dinheiro por cada cabeça. Lógico que quem caçava não estava nem ai pro parágrafo que dizia "ter como objetivo o controle populacional", ou no máximo entendia "controle populacional" como "exterminar todos".
Para piorar, os humanos ainda destruiram boa parte do habitat natural da espécie e com ele, muitos dos animais que os Tilacinos caçavam desapareceram. Não bastante, eles começaram a ser acometidos por uma variação de uma doença antes exclusiva dos Diabos da Tasmânia bem nessa época. Lei de Murphy oportunista.

O tempo foi passando e os Tilacinos foram sendo mortos sem nenhum controle, até que alguém finalmente percebeu que eles estavam começando a ficar raros demais. Mas ai já era tarde. Muitos esforços foram feitos para salvar o animal, algumas reservas foram criadas, usaram-se de campanhas para conscientizar as pessoas e outras medidas, mas não adiantou: Além da própria cultura de caçar Tilacinos por esporte, já estava impregnada na cabeça dos fazendeiros a ideia de que eles eram uma ameaça aos seus rebanhos. Mesmo que eles parassem, os Tilacinos ainda estariam condenados pela concorrência com os cachorros selvagens (que agora estavam nas ilhas também), as novas doenças que os estavam acometendo, e a pouca variedade genética que ficou restrita a aquela pequena população restante. Ironicamente, a proteção aos Tilacinos só se tornou uma lei vigente no final de 1936, meses depois do ultimo Tilacino conhecido morrer em cativeiro.

É preciso 50 anos sem avistamentos reais para que um animal possa ser considerado extinto. Passado esse tempo, o Tilacino foi considerado extinto pro alguns orgãos em 1986. Porém, como são comuns os relatos de avistamentos, outras entidades preferem listá-lo como "possivelmente extinto". Existem recompensas muito boas para quem conseguir encontrar um vivo e provar (veja que ironia), ou seja, se você for até a Tasmânia, fique de olho. Mas é realmente improvável que alguém vá enriquecer com isso.

Na impossibilidade de encontrar Tilacinos vivos, e por serem animais extintos a pouco tempo (menos de 100 anos) os cientistas começaram a considerar a hipóteses de trazê-lo de volta à vida por meios "artificiais", de forma análoga aos Queggas. Até agora, no entanto, isso parece longe da realidade, primeiramente porque não há nenhum espécime de Tilacino, empalhado, fóssil ou que seja, que tenha conservado a estrutura de DNA ao ponto de ser aproveitada para esses fins. Outro motivo é o fato não existir mais nenhum animal muito próximo em sua árvore genealógica vivo. Por isso, não se pode usar a técnica da seleção artificial como os cientistas estão tentando com o Leão Europeu e a Queddra. E também impossibilita a idéia da clonagem: Quem vai ser a mãe? As pesquisas continuam, mas pelo menos no panorama atual, Tilacinos parecem realmente sem saída do seu estado de extinção. Não foram os primeiros, nem os últimos. E infelizmente a lista de animais nessa situação tende a aumentar...

2 comentários:

  1. Ótimo texto!
    Cara, procure aí por um filme recente chamado O Caçador (The Hunter). É a história de um caçador mercenário que vai a Tazmania procurar por um tilacino a mando de uma empresa para fins comerciais (material genético, clonagem etc.). Bem legal!

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  2. Muito obrigado pela dica. Pareceu interessante, vou dar uma conferida!

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