sábado, 14 de maio de 2016

O maldito Handicap do Fifa

Nota rápida: Recomendo essa trilha sonora para a melhor ambientação da leitura a seguir

Meu primeiro Fifa foi ainda no Mega Drive, Fifa 96. A capa com dois jogadores que eu não sabia quem eram (e até hoje não sei, embora já tenha pesquisado seus nomes) disputando a bola, a primeira vez que eu vi os nomes reais (da maioria) dos jogadores dos meus times favoritos, a primeira vez que eu vi que era possível jogar com os times brasileiros... O dia que eu comprei esse cartucho eu jamais vou esquecer.

Venho jogando games de Futebol a vida toda desde então (não só Fifa, joguei muitos outros, como as séries Virtua Striker e Winning Eleven, ou PES), mas em agosto de 2015 eu tomei uma decisão: Não vou mais comprar ou jogar esse tipo de jogos.

O motivo é bem simples: Ao invés de me divertir jogando, eu estava era me estressando. Mais raiva do que com futebol real. Coisa de jogar o controle no chão e tomar prejuízo. E o motivo não é apenas minha falta de habilidade, é algo muito além disso. Seu nome, que causa calafrios naqueles que o conhecem, e descrença em tantos outros, também é o responsável pela maior polêmica do futebol mundial, e talvez a maior teoria da conspiração do mundo dos games: O Handicap da série Fifa (também conhecido como scripting). 

Antes de explicar exatamente do que se trata o Handicap, devo advertir que sim, esse é um post de choradeira onde podem ser encontradas várias histórias pessoais. E vou começar a contar uma agora, afim de explicar o que é o handicap.

Fui jogar na casa de um amigo recentemente. Como ele tinha apenas um controle do Xbox One, sugeriu jogarmos Fifa, cada um jogando uma partida online. Eu deixei bem claro: "Cara, eu parei de jogar Fifa porque me irritava demais com o handicap. Não jogo desde o ano passado". Mas "nessa versão está bem melhor. Não é mais tão gritante quanto antes, pode jogar tranquilo", garantiu ele. A primeira partida foi dele, que perdeu o jogo. O gol saiu aos acréscimos do segundo tempo. Ele havia dado 33 finalizações. O adversário? O gol foi a segunda.

Rimos da situação mas até então não dava pra afirmar categoricamente que foi handicap e não mera incompetência. Esse tipo de coisas acontece no futebol, certo? Lá vou eu pra minha partida, a meses sem jogar, tendo meu primeiro contato com o Fifa 16, já que eu havia parado de jogar antes mesmo dele ser lançado. Em poucos minutos, percebi que o meu objetivo ali era simplesmente não passar vergonha, já que o meu adversário estava me atropelando.

Levava um honrado 0 x 2 até os 80 minutos de jogo, quando percebi algo diferente na maneira como meu time se comportava. Brinquei com meu amigo:
- Você quer apostar quanto que eu vou virar esse jogo?
- Virar eu não acho que você vai conseguir. Mas empatar é bem provável...

Fim de jogo, e meu amigo estava certo: 2 x 2. Até os 80 minutos, eu não havia passado do meio de campo, e então, o time do cara simplesmente parou. Parou. E o meu time virou uma verdadeira máquina, que me passava a impressão de que eu podia envolver o time adversário com passes perfeitos mesmo que  fechasse os olhos.

Claro que apenas esses dois episódios não caracterizam o handicap. O futebol tem dessas coisas. O problema é que esse tipo de situação é extremamente frequente.
Frequente ao ponto de você conseguir, com o tempo, identificar que a marmelada está em ação e comentar de antemão, como eu fiz no exemplo. Não foi a primeira vez. Em outras (muitas) ocasiões, o time adversário tocava a bola no campo de defesa e eu já sabia: "Essa jogada só vai terminar quando eles fizerem gol". Tiro e queda.


Já me aconteceu, inclusive, que o handicap entrasse em pane. O primeiro tempo do jogo (partida normal no tempo padrão do Fifa) terminou em 8 x 7!! Eu fazia o gol, meu time parava, o cara empatava e virava o jogo. Aí o dele parava e eu retomava a liderança. E assim foi nos primeiros 45 minutos de jogo. Depois disso o jogo voltou ao normal e cada um fez só mais um gol.

E os gols nos acréscimos do segundo tempo? Quase certos. Quase garantidos. Se estiver ganhando por 1 gol de diferença, prepare-se. Se estiver perdendo, acalme-se: Esses empates ou viradas heróicas acontecem com uma frequência de deixar qualquer torcedor do Atletico MG com inveja.

E o juiz? Não vamos nem falar do juiz.

Se o jogo for na chuva ou neve, você pode multiplicar a safadeza por 10.

Se você não entendeu ainda, o handicap é um recurso que deixa um jogador em vantagem, para (supostamente) equilibrar o jogo. Isso vai desde um time com bons jogadores não conseguir mais acertar passes ou domínios simples, os zagueiros se posicionarem de forma errada, um dos times começar a correr muito mais rápido que o outro ou ficarem super fortes fisicamente ganhando todas as divididas, o árbitro marcando pênaltis e faltas inexistentes ou se recusando a acabar o jogo enquanto não rolar o resultado que ele "quer", ou o goleiro devolver o rebote sempre no pé do adversário totalmente livre, entre outros recursos porque, acredite, o cardápio de marmeladas é imenso.

Basicamente, a partir do momento que a CPU decide, o seu time se transforma no Íbis e os adversários encarnam a seleção de 1970 e a de 1982 - somadas.

E foi por causa de inúmeras situações como essas, tantas e tantas frustrações por derrotas visivelmente manipuladas (ou mesmo vitórias que eu sabia que jamais teriam acontecido numa partida livre de interferências) que eu decidi parar de jogar Fifa. Antes que eu terminasse igual esse cara:


Mas pra que serve o suposto handicap?

Essa é a pergunta do milhão: Por que a EA deliberadamente colocaria algo tão frustrante no seu jogo? Como toda boa teoria da conspiração, há várias explicações para isso, mas vou citar apenas as que considero mais plausíveis: Em primeiro lugar, pode parecer contraditório, mas Fifa não precisa agradar o jogador veterano que acompanha a série a anos, o popular "fifeiro". Esse sempre vai comprar o jogo, vai jogar bastante, aprender todos os recursos e gastar um tempão montando seu time dos sonhos seja no Fifa Ultimate Team ou nos modos offline do game. O fifeiro vai xingar e reclamar, mas dificilmente vai largar o jogo. Quem pode ficar frustrado e nunca mais chegar perto da franquia é o jogador novato.


E o que seria frustrante pra um novato? Aquilo que é frustrante em todo jogo de futebol: Não ganhar nunca. O novato, além da falta de experiência, ainda tende a ter um time mais fraco que o dos veteranos em modos como o Ultimate Team. Logo, o jogo dá aquele empurrãozinho inicial pra que ele possa competir igualmente. Como o jogo não tem como saber quem é novato na franquia de verdade ou quem joga a anos mas começou nessa versão agora, ele simplesmente dá essa mãozinha pra qualquer um que esteja em alguma situação de desvantagem no jogo - seja no placar, resultado, qualidade do time que escolheu ou qualquer outro parâmetro. 
Seria uma maneira de equilibrar o jogo - e se fosse opcional, não seria problema. Quantos jogos tem Handicap? Desde Daytona USA até Street Fighter, há games de todos os tipos que te permitem ligar essa ajudinha marota para os novatos. O problema é quando não é opcional. Quando acontece em partidas competitivas entre jogadores experientes sem prévio aviso. E a produtora do jogo finge que não existe (e chegaremos nisso já já). O problema é ser como é no Fifa.

Além de ajudar os novatos, também teria por função frear os veteranos. Caso contrário, você poderia (supostamente) criar um time com os melhores jogadores possíveis no jogo e com um pouco de habilidade ficar quase invencível - e pra EA não seria interessante ter esse tipo de jogadores. 

Principalmente porque Fifa, já a alguns anos, tem microtransações. Pra EA é interessante que você tenha a sensação de que seu time nunca está pronto, ou não vai mais precisar daquelas figurinhas - e eles vão deixar de ganhar dinheiro. 

Outro motivo é o de disfarçar a IA deficiente do jogo e aumentar a dificuldade. Enquanto o Handicap é mais comum em modos online, ele também vai aparecer (e muito) em modos offline, quando a CPU julgar necessário, especialmente se você estiver jogando em dificuldades altas, como "Lendário". Sabe aquele último jogo do campeonato contra o Criciúma em casa, que basta você vencer pra ser campeão? Prepare-se para entender o apelido "Criciúma Dortmund" nessa partida. 

O que a EA diz?

A postura da EA sobre o handicap é a mesma de político investigado pela Lava Jato: Negar e alegar que não sabe de nada. 
A EA aliás já deu suas explicações do porque tantos jogadores poderiam ter a "impressão" de que isso acontece: Segundo eles, as situações como erros do juiz ou erros de goleiros ou outros jogadores tem relação com problemas no código do jogo, uma vez que Fifa permite uma infinidade de variáveis e é natural que 'esporadicamente' aconteçam situações assim em um ou dois lances. O problema é que isso está longe de ser esporádico, muito menos acontecem em um ou dois lances: Estamos falando de partidas inteiras manipuladas do começo ao fim. 

Já sobre os inúmeros gols nos minutos finais, segundo eles, isso reflete o futebol real, onde muitos gols costumam surgir no final do jogo quando o cansaço físico e mental recai sobre os jogadores e os erros ficam mais comuns. Pena que no futebol real isso não acontece praticamente todo jogo, sempre pro time que está perdendo, como no Fifa.
As reclamações de jogadores por toda a internet (com direito a petição para o fim do handicap com milhares de assinaturas e inúmeros vídeos e "dossiês" no Youtube), a EA proibiu o assunto de ser citado em seu fórum oficial. Por lá, falar em handicap é passível de banimento. Quem deve, teme? Aqui, ainda sobra tempo para citar que há relatos similares no concorrente PES, embora não tão frequentes quanto no Fifa.

E foi assim que eu parei de jogar games de futebol. 

Claro que há jogadores que dizem que o handicap não existe. Que é simplesmente desculpa de perdedor, teoria da conspiração ou uma espécie de delírio coletivo. Eu não sou um desses - mas de certa forma, já fui.

Por muitos anos eu sofri calado. Perdia jogos de todas as formas citadas ao longo desse texto e pensava comigo: "Deve ser coisa da minha imaginação" ou apenas "Levei azar de novo". Eu tinha vergonha de comentar isso, tinha medo de ser tido como um chorão. Até que um dia conversando com um amigo, contei sobre as coisas que aconteciam quando eu estava jogando Fifa e pra minha surpresa, ele fez seus próprios relatos bastante parecidos. Bastou uma busca na internet e pronto: Descobri que eu não era o único, muito pelo contrário, era apenas mais uma vítima dessa maldição.

Hoje, após muitos e muitos anos de Fifa (entre idas e vindas ao longo dos anos, devo ter jogado a maioria dos Fifas desde o primeiro, Fifa 96, sendo que desde o Fifa 09 até o Fifa 15, a franquia era o único game de futebol que vinha comprando e jogando, estou plenamente convencido de que ele está entre nós. Não é um mito, uma mentira ou uma teoria conspiratória: É um fato. 

A simples frustração de perder um jogo por causa do handicap talvez fosse o suficiente pra me afastar do Fifa, mas não pra me afastar de games de futebol como um todo. Talvez eu devesse voltar para o jogo da Konami e fim.

Mas não, o estrago que esses anos todos de Fifa fizeram no meu psicológico vai demorar um tempo pra ser resolvido. 

O dia que eu decidi parar de comprar (e consequentemente jogar) Fifa (e games de futebol em geral) foi quando eu me dei conta de que estava atribuindo qualquer derrota (e muitas vitórias) ao handicap. Foi quando eu percebi que simplesmente não acreditava mais no jogo. Quando todas as partidas pareciam manipuladas de alguma forma.

Aí, se for pra jogar perseguido por essa paranoia, prefiro nem jogar. 
Uma pena, espero que um dia nos livremos dessa praga e os jogos de futebol voltem a ser como eram nos anos 1990, livres de scripts mal intencionados que interfiram nas partidas.

Até lá, estarei longe do futebol virtual, e torcendo pra não acontecer algo que me faça perder a fé de vez no futebol real também. Porque se o virtual é manipulado, o que garante a idoneidade do real? Nesse caso, a ignorância é uma benção...




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