quinta-feira, 17 de junho de 2010

É guerra, professor.

 Se existe uma coisa que o blogueiro não gostaria de encontrar jamais, é uma cópia dele mesmo como aluno. Sim, por que eu era uma peste. Aliás, muito pior que uma peste. Se houvesse uma sala de aula no inferno, o capeta me mandaria pra diretoria e ainda pediria pra conversar com os meus pais. Era chato, muito chato. Mas pra mim, era divertido. Afinal, eu era um moleque, e moleques se divertem fazendo molecagens! Enfim.

  Mas eu ainda era uma peste com noção. Algumas brincadeiras eu não participava, entre as quais, as guerras de comida. Desperdício, afinal, o que não falta é gente passando fome, certo? Quando começavam a voar as primeiras cascas de laranja, eu já saia do refeitório. Minha fama era tão ruim, que o simples ato de sair do recinto com a cara fechada, já servia para dizer aos outros “hey, isso ai ta indo longe demais” e normalmente, depois que eu me retirava, a brincadeira parava.

  O que nesses tempos eu jamais imaginaria, é que um dia eu estaria no papel contrário. O papel do infeliz que está lá na frente, sendo atormentado pelos engraçadinhos da turma. Mas, por uma dessas (sempre merecidas) ironias do destino, foi exatamente o que aconteceu, e lá estou eu, hoje, exercendo essa ingrata função de alvo de piadas, ou melhor, de professor. Estagiário, na verdade. O que é mil vezes pior.

  Por mais que problemas disciplinares não sejam tão comuns em aulas de educação física (o problema dessas aulas costuma ficar com os alunos quietos demais, que se recusam a participar por um motivo ou outro. Os alunos que tumultuam as aulas normalmente querem é aparecer, e a educação física é uma ótima oportunidade para aparecer perante aos outros), tentar conseguir a atenção da galera e fazê-los realizar o que eu quero que realizem é difícil, muito difícil. Sem contar que fora da aula, nos corredores e pátios da escola, deve-se manter uma postura de rapaz ajuizado. O que pode implicar em situações comprometedoras, e impossíveis de ser controladas. Como a já falada e tão repudiada, guerra de comida.

  E lá estava eu, no refeitório, durante o intervalo destinado as turmas entre as 6° e a 8° série do ensino fundamental. Nem sequer estava comendo. Estava apenas parado, observando o movimento. O movimento que começou a ficar diferente. Coisas voando. Começou com uma caneta. Depois um boné. A coisa foi evoluindo. Pães. Salsichas. Copos. Copos com suco e pães com salsicha. Em alguns segundos, a paz que reinava sumiu e o lugar se transformou numa nutritiva versão da faixa de gaza.

  E eu era o único responsável no lugar. Senti que cabia a mim a ingrata missão de controlá-los. Instintivamente, lembrando os tempos de colégio, simplesmente sai do refeitório com cara de reprovação.
  Mal coloquei o pé pra fora e pude ouvir alguém gritar: “Aeeee, o professoooor saiiiiiiiiiiu!!!!”. Notei que foi uma péssima idéia e voltei para tentar acalmá-los de outra forma.

  Não é preciso dizer que pedir “Por favor pessoal, parem com isso!” foi inútil. Aliás, nada do tipo surtiu efeito. Pedia de todas as formas, gesticulava, mas nada que pudesse diminuir o ritmo dos alimentos voando, dos adolescentes gargalhando e do tradicional grito de “êêêêêêêê!!!” que reinava no lugar.

  Foi então que aconteceu. Eu ainda pude ver, mas isso não quer dizer que eu pude reagir de acordo. Faltou o que chamam de tempo de reação. E Olha que eu sempre fui um exímio goleiro, e isso demonstra o quanto veio rápido. O que? Um pão inteiro, molhado com suco. Bem na minha testa! Foi o que faltava. Existe uma coisa chamada “instinto”, e perto dessa, a razão é algo completamente irrelevante. E depois de longos anos jogando objetos nos outros na sala de aula, sejam bolinhas de papel ou elásticos, ao ser atingido por algo na testa, não haveria outra reação senão revidar, ao som de um delicioso palavrão. Não deu outra. Devolução perfeita, bem na testa, com a precisão das bolinhas de papel dos velhos tempos. Além, claro, do devido palavrão, proferido numa altura suficiente para abafar o som dos alunos histéricos.


  O silêncio reinou. Todos olharam assustados. “Louco”, é o mínimo que devem ter pensado. Mas finalmente, eu tinha a atenção deles.

  “Muito bem. Agora que vocês estão me ouvindo, podem começar a limpar essa bagunça. Se vocês colaborarem, prometo que não vou falar que vi quem começou, e ai não complica pra ninguém. Certo?.”


  Fui gente boa, vai. E todos começaram. E o diretor chegou.


- Quem começou essa baderna Thales?
- Não vi senhor. Mas vi que todos participaram.

  Incluindo eu, mas isso eu não comentei.

  Minha experiência em aprontar me diz que se forem muitas pessoas, de salas diferentes, a chance de o diretor distribuir advertências é muito pequena. Dito e feito. Ninguém comentou o que eu fiz também, aliás, o menino que acertei até veio conversar comigo depois sobre o fato, dando risada. “Poxa professor, doeu! Hahaha”. E todos viveram felizes para sempre.

  Essa foi a primeira vez que perdi o controle da situação na escola. A primeira de muitas. É como dizem: Aqui se faz, aqui se paga. E eu ainda to devendo muito...

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