sábado, 24 de dezembro de 2011

O animal imortal


Texto para ser lido ao som da clássica canção “Metamorfose Ambulante”, do Raul Seixas.

Querido amigo leitor do blog, e se nesse exato momento eu te oferecesse, como brinde por ter visitado esse humilde espaço, a oportunidade de escolher entreas seguintes opções:
- Voltar a ser criança
- Viver para sempre

Qual você escolheria?

Bem, infelizmente, independente de qual você escolha, nós não podemos realizar seu desejo, e a menos que você encontre uma lâmpada mágica, reúna as Esferas do Dragão ou qualquer coisa similar, duvido que você encontrará alguém que possa te ajudar nessa.

A verdade é que desde que o primeiro ser humano olhou para os céus e se deu conta de que haviam animais que podiam voar, e por algum motivo misterioso ele estava plantado no chão, isso vem sendo uma constante na história do conhecimento: A cada dia que passa descobrimos que os animais podem fazer coisas muito bacanas sem precisar de nenhuma máquina ou técnica mirabolante, que algumas espécies simplesmente nascem capazes de fazer o que nós passamos a vida sonhando em poder fazer e não conseguimos.

E sim, o que eu estou querendo dizer é que existe um animal que é capaz não apenas de voltar a ser criança, como também, de viver para sempre. Morra de inveja: Orgulhosamente apresentamos a Turritopsis Nutricula. Mas aqui vamos chama-la carinhosamente de Água-Viva Imortal...


Pequena notável

Perdoe-me o subtitulo clichê acima, mas falar sobre esse animal me dá licença para usar quantos clichês eu quiser nesse texto, uma vez que nossa amiguinha imortal nada tem de clichê, sendo provavelmente um dos seres com a existência mais curiosa encontrados na natureza.

Estamos falando de um animal bem pequeno, mas bem pequeno mesmo, embora ainda não pertencente ao mundo microscópico. Uma água-viva dessas tem em média 4mm, podendo, com sorte e abundância de alimentos, chegar aos 5mm, e como você pode ver pelas imagens aqui do blog, tem a aparência de uma água viva típica, exceto por esse “negócio” vermelho ai dentro dela, que trata-se de um estômago relativamente grande em comparação a seu tamanho. Conforme vão crescendo, vão ganhando mais tentáculos, sendo que as pequenas, com cerca de 1mm, tem em média 8 tentáculos, e as maiores chegam a ter mais de 80...

Elas nascem pequenas larvas, e antes de atingirem o estágio adulto, passam por uma outra fase, a de pólipo, que chega a lembrar uma minúscula arvorezinha. Esses pólipos podem até reproduzir-se assexuadamente, dando origem à várias águas vivas que emergem de seus “galhos” (é uma das duas fases da vida desse animal onde ele pode se reproduzir, sendo que mais tarde, como “adulta”, ela realiza a boa e velha reprodução sexuada, com o macho fecundando os ovos e tudo o mais).

Nessa fase de pólipo ela junta-se a outras espécies que compõem os lindos recifes de coral que vemos pelos mares de todo o mundo e permanece lá até estarem prontas pra se tornarem mocinhas. E é a relação entre a fase adulta e essa fase de pólipo que faz dessa criaturinha a estrela da postagem de hoje.

Criança, adulto, criança, adulto, criança...

A vida desses carinhas obedece um ciclo bem diferente dos que nós acostumamos. Nós estamos acostumados com a idéia de seres vivos que, se não houverem acidentes no meio do caminho que o façam pular direto pra última etapa, nascem, crescem, envelhecem e morrem. Pois bem.

A Turritopsis Nutricula nasce, cresce, depois volta a ser como era antes de crescer, cresce de novo, volta ao estágio anterior de novo, e assim por diante, indefinidamente, e enquanto ela não virar o jantar de ninguém ou não morrer por conta de alguma doença, ela pode fazer isso quantas vezes for preciso. Trocando em miúdos, ela pode voltar a ser “criança” sempre que der na telha, e isso faz dela potencialmente imortal.

A “mágica” só é possível graças a um tipo específico de células que até hoje só foram encontradas nesse animal. Essas células são encontradas por todas as estruturas externas do animal, e também em seu sistema circulatório, e sua grande característica é serem capazes de realizar um processo chamado Transdiferenciação.

Nesse processo, ela literalmente volta ao seu estágio de pólipo, em um tempo extremamente curto (tão curto que é extremamente difícil de ser flagrado na natureza), utilizando, por mais estranho que pareça, um processo muito conhecido como fator causador do envelhecimento: A morte programada de células.

Primeiro, os tentáculos, depois, a “tigela” que constitui o formato característico do seu corpo. Uma vez “desmontada”, crescem novamente as estruturas que ela tinha quando ainda era um pólipo, e voilá, temos um pólipo rejuvenescido, exatamente como ela era antes de emergir em sua forma adulta, capaz de reproduzir-se assexuadamente e mais tarde, “evoluir” novamente para uma água-viva adulta. E sabe o que é mais legal? Ela pode fazer isso de novo. E de novo. E de novo. E quantas vezes ela desejar...


Dominando o mundo

Pode parecer irônico ou mesmo sádico, mas a morte é um dos processos que garantem a existência da vida. Pense comigo: Se os seres vivos não morressem, as populações só cresceriam, e como os recursos do planeta são limitados, cedo ou tarde os recursos acabariam e todos morreríamos.
Temos aqui, no entanto, um animal que desafia essa lógica, afinal, ele é de fato potencialmente imortal. E bem, em partes acontece exatamente o esperado...

Elas podem ser encontradas em praticamente todos mares ao redor do globo, mesmo que os exames de DNA mitocondrial mostrem que são uma espécie de água viva bem mais recente do que outras que ficam restritas aos seus mares de origem, e isso é um sinal óbvio de aumento extremamente rápido da população (além, claro, de uma ótima capacidade de adaptação à diferentes condições e climas).
Entretanto, não chega a haver um desequilíbrio, até porque, apesar de teoricamente serem imortais, na prática é realmente improvável que a esmagadora maioria delas consiga viver por muito tempo. Afinal, se elas não morrem por velhice, podem muito bem morrer por alguma doença ou simplesmente virar almoço de algum predador. E predadores é o que não faltam.

Para ficar num exemplo de fácil compreensão de como ocorre o controle populacional dessas criaturinhas, considerem que ela são praticamente do mesmo tamanho e convivem em meio ao plancto, que é o alimento principal de certas espécies de baleias. Baleias são os maiores animais da terra, e se o seu alimento são coisinhas de alguns poucos milímetros cada, portanto, imaginem quantos deles uma baleia não deve engolir a cada “bocada”, ou pior, imaginem quantos deles uma baleia deve comer por dia...

No final das contas, eles até podem não ter “prazo de validade”, mas conseguir manter-se vivos não deve ser a coisa mais fácil do mundo.

Os processo de transdiferenciação desses animais vem sendo estudado com muita atenção pelos cientistas. Afinal de contas, o seu conceito é bem simples: O DNA desses animais vem com as informações necessárias para construir as estruturas de um pólipo, e as estruturas de uma água-viva em sua forma de medusa. Tudo o que ele faz é alternar os processos de construção dessas estruturas de acordo com a necessidade, sem jamais parar de ler essas instruções.

Nosso DNA também vem com todas as informações para substituir nossas células, manter nossos tecidos muscular e ósseo fortes, produzir colágeno... Mas, com o tempo, ele vai parando de ler essas instruções, e ai começamos a envelhecer. Entender o segredo por trás da transdiferenciação pode ser a chave para a tão famigerada juventude eterna. Ou para a cura do câncer. Ou trazer muitos outros benefícios para a humanidade.

O jeito é esperar e torcer para que novas descobertas sejam feitas o quanto antes. Enquanto isso, morremos de inveja das Turritopsis Nutricula's, agraciadas com uma habilidade única e simplesmente formidável.

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