O choro é livre – E recorrente.
Final de campeonato é sempre assim, uma única torcida sorri
feliz da vida, muitas choram, e quase todas teorizam. Não existe na face da
terra figura mais conspiracionista (existe essa palavra?) e chorona do que
torcedor de futebol. Eu sei, porque frequento estádios, e estou cansado de ver
(e participar de) xingamentos ao pobre coitado do árbitro que ainda nem apitou
o começo do jogo e está apenas verificando se as redes estão bem fixadas.
Torcedor é isso mesmo, seu papel é apenas torcer, e o juiz sempre
parece estar jogando no outro time. Mas como saber se de fato ele está?
O Santinho
Antes que digam que essa é uma postagem maldosa com os
senhores do apito, eu também já ouvi, e muito, o mantra: “A arbitragem
brasileira é ruim... Não acredito que fulano estava mal intencionado, ele apenas
errou, e errou porque a arbitragem brasileira como um todo é fraca”. Bom,
quanto a isso, precisamos pensar com calma: Será?
Por que necessariamente o arbitro não pode estar mal
intencionado? Por que é sempre falta de competência? Caso algum de vocês se
lembre, o espaço dos comentários fica aberto para que alguém cite ao menos um único
setor, uma única profissão nessa nossa Terra de Vera Cruz que não esteja
corrompida nem que apenas parcialmente. Políticos? Religiosos? Mídia?
Segurança? Saúde? Educação? Desculpem, mas pelo menos por aqui, onde há
interesse e dinheiro envolvido, há corrupção. Por que justamente no futebol, um
dos meios mais sujos e repletos de interesses que existe no mundo (e negar isso
é sintoma de hipocrisia ou inocência), o cara originalmente neutro que mais
facilmente poderia interferir no resultado estaria acima de qualquer suspeita?
Acreditar na completa inocência desses senhores é quase como pedir para um
estranho tomar conta da sua bolsa enquanto você procura um banheiro na Praça da
Sé ou Copacabana – Eu particularmente não recomendo.
Outro papo muito usado para tirar o bumbum desses senhores
da reta é quanto a profissionalização. Dizem que assim que “profissionalizarem”
a profissão de árbitro a coisa tende a melhorar. Bom, apesar de concordar que a
classe precisa mesmo de uma revisão em sua condição como trabalhadores, devo
também considerar que para ser árbitro, é preciso fazer curso, para apitar um
jogo importante, é preciso ter experiência prévia e o principal, um arbitro da
série A ou B do futebol (os mais cobrados, obviamente) costuma ganhar mais em
um único jogo do que a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros costuma
ganhar em um mês. Se ainda assim não se pode considera-los “profissionais”, só
posso lamentar e dizer que até onde se sabe, não tem-se por costume a prática
de sequestrar homens de meia idade e joga-los dentro da Ilha do Retiro lotada,
armados apenas de um apito. Ninguém obrigou o cara a escolher a profissão
numero 1 dos filhos das famosas acompanhantes VIP.
Pode isso, Arnaldo?
Mas é claro que nem todos os árbitros entram em campo
dispostos a interferir no resultado. Aliás, a grande maioria é apenas como eu e
você, uma pessoa que ama o futebol acima de tudo e não está disposta a fraudar
o resultado.
A maioria dos “roubos” não é nada mais do que, como eu disse
no começo do texto, fruto da imaginação de torcedores paranoicos e chorões. Não
importa se mesmo no replay aquele lance gera discussão, sempre aparece um
engraçadinho pra postar um “dossiê” no Youtube em que esse lance aparece “provando”
que time X está sendo protegido pela máfia dos resultados e o time dele, o Y, é
totalmente inocente, o ultimo suspiro do “bem” que sobrou no esgoto chamado
futebol brasileiro.
E não importa se o cara torce pro Flamengo, Corinthians, São
Paulo, Palmeiras, Vasco, Botafogo, Santos, Cruzeiro, Fluminense, Atletico MG,
Grêmio, Inter, Portuguesa, Coritiba, Atletico PR, Goiás, Bahia, Vitória,
Figueirense, Criciúma, Náutico, esse time que você está esperando ler mas eu
não citei ainda, enfim, não importa pra qual time o sujeito torce, a linha de
raciocínio dele partirá sempre do principio de que só o seu time é honesto e os
demais são sujos, e isso leva a crer que ou todos são honestos (será?) ou todos
são sujos (eu apostaria nessa). E se todos são sujos, podemos presumir que,
ainda que do jeito errado, as coisas se nivelam e não há porque sair se
desesperando e procurando influencia da arbitragem no insucesso do seu time ou
no titulo do rival. Todos erram.
O cone do centroavante do seu time perde gols incríveis
debaixo da trave. O mão de alface do goleiro do seu time entrega a rapadura de
vez em quando. O burro do treinador do seu time já está jogando o campeonato no
lixo na quinta feira, quando o jogo é no domingo. E o árbitro, como todos os
demais, também erra em lances capitais – e geralmente não é por maldade. E o arbitro está cada dia mais exposto pois cada dia há mais câmeras vigiando cada centímetro do campo. A arbitragem não está piorando, o jogo está ficando mais dificil, mais rápido, mais pegado, mais forte, e ao mesmo tempo, há mais tecnologia para vigiar o arbitro que pode contar apenas com seus 5 sentidos e um pouco de sorte.
“Espera aí, você falou tudo isso só pra dizer que não
devemos desconfiar? Está me fazendo de idiota?”. Calma, jovem gafanhoto! O que
estou dizendo é que no caso, o Diabo mora nos detalhes. Não é aquele pênalti gritante
não marcado que derrubou seu time pra segunda divisão. E nem aquele foi aquele
cartão vermelho injusto que selou o destino do seu time daquela Libertadores
que pra você estava fácil... Depois de tanto enrolation, vamos lá: Como o
árbitro interfere no resultado, afinal?
Foi ou não foi?
Caso você tenha TV por assinatura em casa e alguns canais de
esporte, experimente dar uma rápida zapeada só para conferir comigo quantos
jogos ou programas com velhinhos metidos a sabichões falando de futebol vamos
encontrar. Se estiver lendo isso no horário de almoço ou numa noite de domingo,
você pode fazer isso também na TV aberta e no rádio.
Se o tempo é relativo, a semana de um arbitro que errou em
um lance capital de um jogo importante passa tão rápido quanto uma lesma fêmea
comprando sapatos novos no shopping. E pode haver mais em jogo do que simples
torração de saco na TV e internet. O cara não consegue nem andar na rua em paz
enquanto as pessoas não esquecerem um pouco o episódio (por sorte, o prazo de
validade das lembranças futebolísticas das pessoas comuns costuma durar apenas
de quarta a domingo e vice versa). Não é nos lances capitais que se muda o resultado
da partida. É nos lances que ninguém vai nem se dar ao trabalho de postar no
Youtube.
Assopra o tio mal intencionado e começa o jogo. Logo no
começo do jogo, ele marca uma falta contra o time que pretende prejudicar, no
meio de campo, num lance totalmente interpretativo. Minutos depois, acontece um
lance muito parecido, mas o jogador que é derrubado é do time que o arbitro
quer que perca. Ele “não vê”. Teoricamente não há grande influencia no
resultado em duas faltas que não dariam em nada, mas a idéia é irritar. Lances
assim acontecerão durante todo o jogo, o que é falta pra um lado, pra outro
pode não ser. O jogador repara isso, as vezes até imagina sem que isso exista.
Mas quando isso entra na cabeça do jogador, começa a enervar. Muita gente,
diria a maioria, perde rendimento quando perde a cabeça, além do que, quem
perde a cabeça faz mais faltas. Se faz mais faltas o juiz apita mais, contra. E quanto mais ele apita, mais o fulano se irrita. E assim vai minando a cabeça
do time.
Mas não é só isso. Uma chegada um pouco mais forte, antes
dos 10 ou 15 minutos talvez, e é cartão amarelo pro zagueiro do time que está
jogando “contra o arbitro”. Na TV, o comentarista pode até dizer que o arbitro
está tentando “controlar o jogo desde cedo” e dar razão. No campo, temos um
zagueiro que não pode mais dar combate como antes sob o risco de ser expulso.
Aliás, agora restam 80 minutos pro arbitro expulsar o jogador com o segundo
cartão amarelo, sem precisar ser tão polemico quanto seria em uma expulsão
direta.
Há também os laterais, impedimentos e afins. Pra isso
existem os assistentes, mas nem sempre eles ajudam. Aliás, muita gente não
repara, mas é comum o assistente esperar o arbitro apitar ou pior, esperar
ouvir o tradicional “É nossa!” de um dos jogadores para então apontar de quem é
a posse de bola – compreensivelmente, afinal, apesar deles estarem ali
praticamente só pra isso, do lado de fora do campo nem sempre é fácil ver se a
bola resvalou ou não em alguém. Basta ao arbitro mal intencionado inverter
todos os laterais duvidosos a favor do time que ele pretende ajudar. É como no
caso das pequenas faltas em lugares “mornos” do campo: Quase ninguém desconfia de
laterais, mas quem está jogando percebe. E se irrita.
E outras técnicas. Apesar de que o microfone que
permite a comunicação entre os árbitros e as mil câmeras coladas na cara dele
ávidas por serem usadas pelos especialistas em leitura labial depois tenham inibido
um pouco essa pratica, o arbitro sempre teve a possibilidade de abusar da
autoridade, ironizar, xingar, ofender, gesticular e ofender os jogadores,
bastando ser minimamente sutil para não dar tão na caruda. E se quem exclama o “É
nossa!” no lateral não é o jogador do outro time, e sim o arbitro, com um
sorrisinho no canto da boca? E se você vai reclamar com ele e, além de te
ironizar e te xingar ainda mais do que você sequer pensou em xingá-lo, ele te
dá um cartão amarelo como forma de te calar?
E assim vai, os 90 minutos. O futebol é jogado por humanos,
e humanos perdem a cabeça. Daí pra perderem o jogo, é um passo. Um zagueiro
nervoso está a um passo de cometer um pênalti ou ser expulso. Um atacante
nervoso vê o gol ficar pequeno e a bola ficar leve como uma bexiga na hora de
chutar. E no outro dia, são esses que a imprensa vai usar como os verdadeiros vilões
e tirar a responsabilidade do árbitro.
É lógico, mesmo o arbitro mais mal intencionado do mundo não
consegue ser mais decisivo do que os verdadeiros heróis do futebol, os craques. E se a tecnologia está jogando contra os arbitros "do bem" até aqui, talvez seja a hora de usar a tecnologia contra os arbitros "do mal". Mas enquanto os velhinhos da Fifa não se resolvem, não custa abrir os olhos, meus amigos. Não é pelo leite derramado que vocês
devem procurar. Ao invés disso, procure pelo buraco na caixinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário