Foi então que a concentração se quebrou. Era o avô deles, seu Sandro, comentando, ou melhor, cornetando:
- Essas crianças de hoje em dia, não desgrudam da frente da tela!- Ah vô, ta chovendo, não tem nada pra fazer!- Até parece que no meu tempo, uma chuvinha me impedia de jogar bola lá fora!
- Quem vê, pensa que o vô jogou muita bola...
Nesse momento, seu Sandro ficou furioso. Esbravejou:
- Quem vocês pensam que eu sou? Eu joguei muito quando era novo!- Jogou mesmo vô?- Joguei, pois joguei tanto, que fiz o campeonato brasileiro de futebol mudar de nome!- Que mentira lavada...- Foi verdade, aconteceu 30 anos atrás, no ano de 1999...
Percebendo que seus netos não iriam acreditar muito, seu Sandro sentou-se ao lado deles. Sem exigir que parassem o jogo, até por que sabia que seria inútil, começou a falar. Começou a contar, a sua longa história, de como conseguiu, sozinho, causar uma das maiores confusões da história do futebol brasileiro...
“A culpa foi toda do meu pai. Foi ele que teve a idéia de alterar minha certidão de nascimento para ‘facilitar’ minha carreira como jogador. Eu jogava no Tocantinópolis e fui transferido para o Rio Branco. Arrebentei no campeonato paulista, e isso me rendeu uma transferência para o São Paulo. Tudo ia bem, até o Tocantinópolis resolver reclamar que o Rio Branco havia me inscrito sem autorização deles. O Rio Branco alegou que eu havia sido contratado ainda menor de idade. Logo, sem problemas! Não foi bem o que a justiça entendeu...
Acho que nunca se falou tanto do Tocantinópolis na história do futebol. E nunca mais vão voltar a falar... Mas o que se sabe é que eles deixaram todo mundo confuso: Afinal, minha transferência foi ou não foi legal? Ou melhor: Quantos anos eu tinha, afinal? A confusão durou por tanto tempo que mesmo eu perdi a conta. Acham que eu estou brincando quando digo que não lembro minha idade? Pois agora vocês sabem que é verdade...
Enfim, a justiça achou melhor deixar meu passe bloqueado enquanto esse rolo não se resolvia. Mas isso não quer dizer que eu não podia jogar. Garantiram pro São Paulo que eu poderia jogar sem nenhuma complicação. Pelo menos foi o que falaram pra gente. E eu joguei. E comi a bola, modéstia a parte. Até goleamos o Botafogo, 6 x 1... E foi ai que a confusão começou de fato.
Acontece que o Botafogo alegou que eu não podia ter jogado aquele jogo. A justiça, bem, nem a justiça estava entendendo mais nada a aquela altura do campeonato, e concordaram com o Botafogo, pois consideraram que “bloqueado é bloqueado, e ponto final”. E anularam o jogo, dando os 3 pontos pro Botafogo. Pior, o Inter foi no embalo e também ganhou 3 pontos de graça! Maior raiva! Mas raiva mesmo passou o Gama com essa história, já que os 3 pontos a mais do Inter e Botafogo significavam o Gama rebaixado. Sim, o Gama! Tocantinópolis, Rio Branco, Gama... Esses times viviam seus 15 minutos de fama. Graças a mim!
Bem, que seja. De um lado o Gama e o São Paulo, do outro o Botafogo e o Internacional. Sem contar o Rio Branco e o Tocantinópolis, que nem no campeonato brasileiro estavam!
No final, a CBF acabou desistindo até de organizar o campeonato brasileiro do ano seguinte! Passaram a bola pro Clube dos 13. Este, que não é bobo nem nada, foi buscar o Fluminense, América Mineiro e Bahia, nas divisões de baixo do Brasileirão, de volta pra primeirona. De graça, sem ter que jogar nem um joguinho pra recuperar o acesso. E organizaram assim a inédita, e única, Copa João Havelange... No final, só quem se deu mal fui eu, que fiquei 180 dias sem poder jogar, perdi meu contrato com o São Paulo e nunca mais me destaquei. Não que precise de mais destaque do isso. Afinal, eu, Sandro Hiroshi, fiz o que nem o Pelé conseguiu: Mudei o nome do campeonato, fiz três times subirem pra primeira divisão e de quebra ainda fiz o Tocantinópolis entrar pra história do futebol brasileiro... ”
Nenhum comentário:
Postar um comentário