domingo, 20 de fevereiro de 2011

Gladiador


  A plateia está delirante. Gritos empolgados e exaltados de pessoas que pulam e vibram fazem com que toda a estrutura balance. Um homem está caído, tentando se levantar, porém, sabendo que é inútil. Já está derrotado. Ele apenas se esforça para ficar de joelhos. Seu oponente espera para saber: Irá matá-lo, ou não? Em busca do único homem que pode salvar-lhe a vida, ele olha para cima. Não fraqueja. Sequer altera a expressão no rosto. Apenas olha para saber seu destino. O homem lá encima, nas tribunas especiais, olha para ele, e em seguida, confere a empolgação da platéia. Ele faz o que o povo espera: Um polegar apontado para baixo, e é o fim. O sangue jorra na arena. Mais um gladiador morreu em combate...

Esse cenário não retrata nenhuma situação específica, e sim, algo que era muito comum durante o império romano: As lutas entre gladiadores. Um espetáculo violento e muitas vezes cruel, que levava multidões as arenas para verem com seus próprios olhos toda a brutalidade de uma batalha real pela vida. Mas como eram exatamente as lutas entre gladiadores? E quem eram, de fato, os gladiadores? Para descobrir isso temos que voltar cerca de 2000 anos no tempo, direto para a época da política do “Pão e Circo” estabelecido por Roma ...


Escravos da morte

A idéia dos espetáculos envolvendo gladiadores é bem óbvia e simples: Entreter o povo. Por isso a política do pão e do circo: Se as pessoas estiverem alimentadas e entretidas, não vão reclamar do governo. Era assim que funcionava. E funcionava mesmo. Como as pessoas gostavam (e ainda gostam, vide o sucesso de esportes como o Boxe e a UFC até hoje) de ver outras pessoas se quebrando, qualquer espetáculo que tivesse chances de terminar com pelo menos um braço separado do corpo era certeza de sucesso, de pessoas felizes e da manutenção da ordem pelo império.
A lógica só era quebrada por um detalhe: Saber que as pessoas se divirtam assistindo batalhas até a morte é conveniente. Mas nem todo mundo se diverte sabendo que pode morrer. Ou seja, teoricamente, todos queriam ser espectadores, mas ninguém queria ser o espetáculo. E era nessa hora, quando alguém tinha algo a fazer que ninguém mais quer fazer, que entravam os escravos...

Sendo assim, a maioria dos gladiadores eram escravos treinados para essa arte. Gladiadores eram melhor tratados em termos de direitos e dignidade e tinham muito mais prestígio na sociedade do que um escravo comum, então, para muitos, o fato de ter que, quase que literalmente, matar um leão por dia era apenas um detalhe... Alguns outros gladiadores eram prisioneiros de guerra, criminosos e haviam até mesmo jovens em busca de fama que se aventuravam na “carreira”.
Criando um demônio

Gladiadores aprendiam o que deveriam aprender em escolas chamadas “Ludus”. Eles treinavam ao longo do ano e tinham uma alimentação baseada em vegetais (geralmente), até pelo fato de que, lutadores ou não, ainda eram escravos, e a carne não era barata. Também recebiam cuidados médicos para garantir que estivessem prontos para seu grande momento. Eles não lutavam com tanta frequência quanto os filmes fazem parecer: Cada gladiador lutava apenas umas quatro vezes por ano, em média. Isso se sobrevivesse...

Haviam quatro dessas escolas em Roma, sendo que uma delas estava interligada com o Coliseu. Evidências arqueológicas indicam que alguns eram treinados desde a infância nessas escolas, uma vez que certas ossadas de gladiadores apresentam diferenças de morfologia entre os membros (por exemplo, o braço direito ligeiramente maior que o esquerdo), sinais de que foram submetidos a grandes, regulares e constantes exercícios físicos antes e durante a puberdade...

Sempre antes das batalhas, ou mesmo em seus raros momentos de folga, gladiadores costumavam ser levados pelos seus senhores para se encontrar com prostitutas. A idéia era aproveitar o que sempre poderia ser a última chance... Aliás, há quem diga que a palavra “puta” tomou o significado que ele tem hoje por ser o nome do “bairro” (que na verdade era um complexo subterrâneo) onde os gladiadores eram levados...

Todos os gostos, idades e sexos e tamanhos...

Mas se você pensa que todos os gladiadores eram homens altos, musculosos, fortes e feios, pense de novo. Haviam vários tipos de gladiadores, divididos em:

Trácio: Lutavam com espadas curvas chamadas sicas e um escudo relativamente pequeno, o famoso capacete com plumas, mas eram considerados os mais fracos.
Retiários: Eram os mais rápidos em geral, mas também eram os mais desprotegidos – não usavam nem mesmo capacete. Seu segredo estava em manusear seu tridente e uma rede, com os quais conseguia vencer gladiadores maiores e mais fortes.
Secutor: Eram oponentes dos Retiários e por isso seu capacete tinha uma forma diferente, para evitar serem presos na rede, além de um grande escudo para se proteger do tridente. Atacava com uma espada.
Murmillos: Grandes rivais dos Trácios e Retiários, tinham o apelido de “homens-peixe” por conta do formato de seu capatece. Suas armas eram parecidas com as do Secutor, com diferenças sutis na forma.
Hoplomachu: Usava uma lança e um pequeno escudo, e tinha uma armadura que o protegia bem. Tinha influência das tradições gregas
Dimachaeri: Não se sabe muito sobre eles, nem mesmo quem eram seus adversários. Sabe-se que usavam duas espadas, o que levam a crer que eram muito fortes.

Haviam também gladiadores que lutavam montados em cavalos, que eram divididos em dois grupos:
Andabati: Esses caras lutavam as cegas! Seu capacete tinha o visor tampado. Possivelmente o objetivo deles era servir como a parte cômica do espetáculo.
Equites: Aqui já era mais sério, com lanças, espadas e escudos, e as vezes lutando em duplas, como em uma cavalaria.

Além de todos esses grupos, uma curiosidade: Gladiadores não eram exclusivamente homens. Haviam mulheres gladiadoras. Elas eram um ponto alto nos espetáculos, lutavam com os seios e o rosto a mostra e podiam ser bem fortes. Porém, não combatiam contra gladiadores do sexo masculino normais ou animais. As vezes elas lutavam contra anões... Aliás, falando em anões, eles também lutavam, entre si, contra mulheres ou em equipe contra um único gladiador normal.

Outra coisa a ser mencionada era que as batalhas nem sempre eram contra outros gladiadores: Muitas vezes, animais (em geral importados da África) eram os oponentes. Essas batalhas eram consideradas menos prestigiosas pelos gladiadores. Também haviam batalhas temáticas, como batalhas navais e simulações de caçadas. E claro, as vezes os elementos eram misturados: Nada impedia que fossem trazidos leões para a arena para dar um toque a mais de emoção no meio, ou ao final, de um combate entre dois gladiadores...

Nada impedia ainda que o próprio imperador lutasse. E isso de fato aconteceu algumas vezes. Entre outros que lutaram (e venceram), estão os imperadores Calígula e Cómodo.

Sangue de atleta

Os eventos aconteciam em arenas como o Coliseu, por exemplo. No entanto, embora hajam algumas semelhanças, não se pode confundir as lutas de gladiadores com um esporte. E o motivo é simples: Enquanto na UFC, por exemplo, as regras são feitas de forma a prezar pela integridade da vida dos lutadores e a morte só virá a acontecer por uma fatalidade, como em todos os outros esportes, numa batalha entre gladiadores a realidade era outra.
Não que não houvessem regras. Haviam. Havia até um juiz. E nem sempre o perdedor morria: Tudo dependia do patrocinador da luta, em geral, o imperador. Mas na prática, tudo dependia da torcida, já que ele, via de regra, atendia aos desejos do povo. Ao gritar “Missa”, o público pedia para que a vida do gladiador derrotado fosse poupada. Agora, se as pessoas começassem a gritar “Jugula”, era certeza de um banho de sangue...

Não havia no entanto nada que impedisse o gladiador de morrer durante o combate, antes mesmo que alguém pudesse decidir pela sua morte, o que muitas vezes acontecia mesmo. E para os donos dos gladiadores, por mais que pareça contraditório, chegava a ser vantajoso que o seu gladiador fosse derrotado e morto. Sempre que isso acontecia, o estado pagava uma generosa quantia em dinheiro como forma de compensação ao dono do gladiador que foi morto.

Os combates entre gladiadores foram o espetáculo favorito dos romanos por um bom tempo, tendo surgido em 286 a.c.
Foi proibido no ano de 325 d.c. Durante o reinado de Constantino I, quando o cristianismo começou a ganhar força na Europa, e o Império Romano já estava no auge de sua decadência. Essas sangrentas batalhas estavam completamente fora dos padrões que o cristianismo. Sua popularidade no entanto fez com que elas continuassem acontecendo, embora ilegais, por mais de um século depois da proibição. Depois, se tornaram parte da história e continuam a influenciar a cultura popular até hoje. E assim continuarão por muito tempo ainda...

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