sábado, 1 de agosto de 2015

Virtua Racing e o SVP

 Pra toda uma geração de jogadores, isso que vou relatar adiante é uma história bem estranha, mas pra outros, evocará deliciosas lembranças da tenra infância.
 Era um sábado qualquer e eu acordei animado. Com alguns trocados no bolso, corri pra locadora em que minha família tinha cadastro, praticamente no horário em que ela abriu, disposto a alugar um game. A chamada era 16-bit já tinha acabado, mas eu ainda me divertia com o bom e velho Mega Drive. Ao chegar, reparei em um jogo de corrida que eu nunca tinha alugado - as vezes por não interessar, mas na maioria das oportunidades, porque a incômoda plaquinha de "Alugado" estava presa na capinha do jogo. O jogo estava disponível e resolvi levar pra casa. E foi assim que eu conheci um dos jogos mais importantes da história dos games, sobre o qual eu vou falar um pouco a seguir. Ah, também foi assim que ganhei fama de mentiroso aqui na rua.
O jogo perdido

 Virtua Racing é um caso relativamente comum na história dos games, o caso de ponto inicial que não ganha os méritos do gênero que definiu. Em certa forma (e sei que haverão fãs do bigodudo parando de ler o texto na próxima frase), está no mesmo clube de Pac Land, o jogo que definiu os games de plataforma com progressão lateral um pouco antes de Super Mario Bros. popularizar o gênero. Aliás, é irônico falar isso, já que Virtua Racing também não foi o primeiro jogo de corrida poligonal do mundo, assim como Pac Land provavelmente não foi o primeiro jogo de plataforma com progressão lateral nos moldes que conhecemos hoje, mas são, eles próprios, as grandes influências dos jogos que usurparam seus lugares como os pontos de partida de cada um desses gêneros que se tornariam tão populares depois deles.

 Em outro paralelo, Virtua Racing é o Yutyrannus (o dinossauro ancestral meio esquecido do Tiranossauro Rex) dos games, ao passo que seu sucessor espiritual (Daytona USA) é o T-Rex em seus melhores dias de Jurassic Park. O que é uma grande injustiça. Voltemos às minhas memórias:

 Aquele jogo não era um jogo comum e não demorei a perceber. Primeiro, o aluguel do jogo era mais caro que os demais. Isso gerou um certo hype inevitável que durou o tempo entre a locadora e a minha casa. Ao abrir a embalagem, que diabos, aquele cartucho era muito diferente dos que eu tinha!

 Vivíamos outros tempos. e de fato, cartuchos de formatos diferentes do mesmo sistema não eram uma coisa nova. Eu conhecia os cartuchos japoneses de Mega Drive muito bem, afinal, meu Fatal Fury 2 era japonês e estava desmontado na caixinha onde eu guardava meus jogos (você desparafusava o cartucho e colocava apenas o chip no console pra funcionar no aparelho americano, já que a única trava do jogo japonês em relação ao americano era o formato externo do cartucho. Hell Yeah!). Mas esse cartucho era diferente dos japoneses e por um segundo pensei até que havia sido enganado - aquilo não podia ser um jogo de Mega Drive. Era, ou pelo menos, encaixava sem precisar desparafusar nada. Com certo receio de colocar fogo na casa (havia esse tipo de lendas na época e no caso desse jogo específico, mais tarde meu medo seria de certa forma justificado), liguei.

 O mundo é quadrado.

 Ver o logo da Sega se formando na minha tela por algumas formas geométricas em 3D, todo bonitão, já me pareceu algo impressionante. Mas quando a tela inicial do jogo apareceu, com aqueles carros em 3D rodando pela tela, a câmera mudando e todas essas coisas que eu só via em videogames muito mais modernos que o velho 16-bit da Sega, aquela sensação de "ual" foi inevitável. Ainda assim, havia, claro, aquele sentimento de "será?" que só deixou de existir quando realmente acelerei o carro numa corrida de verdade. Era real, era um jogo em 3D cheio de polígonos rodando no Mega Drive. Céus!

 Claro, não era tão belo quanto Ridge Racer do Playstation do meu vizinho. O jogo tinha um visual bastante único. Tudo era meio quadradão ao extremo, incluindo a roda do carro que parecia uma espécie de tronco de árvore cortado e não o milimetricamente simétrico pneu de um fórmula de verdade. Mas isso dava um charme ainda maior, na verdade. Era possível alternar entre vários ângulos de câmera (pelo alto, próximo, uma visão impressionante no cockipit) em todas as 3 pistas, algo padrão hoje em dia, mas no Mega Drive? Não.

Um detalhe inútil, mas que pelo menos vai encerrar a minha falação nostálgica sobre aquele final de semana, é que eu procurei mostrar o jogo para todos os meus amigos e por alguma artimanha do destino, nenhum estava em casa! Quando voltei a ter dinheiro pra alugar o jogo, o dono da locadora havia vendido o dito cujo pra algum sortudo, e no final das contas passei anos como o mentiroso que tinha alugado um jogo de corrida todo em 3D pra Mega Drive e que ninguém mais viu. Precisei esperar o surgimento da internet pra que essa história fosse levada a sério. Mas agora, falemos do jogo.

 Sega Virtual Processor

 As maravilhas gráficas, e o formato estranho do cartucho se devem ao SVP (Sega Virtual Processor), um processador especial para viabilizar os polígonos no Mega Drive, que vinha embutido no cartucho. O cartucho tinha que ser grande pois precisava até de um sistema de resfriamento e acredite, essa coisa esquentava. Em poucos minutos de jogo, já estava mais quente que o Mega Drive, por muito.

 O SVP foi uma espécie de resposta da Sega ao Super Fx, o chip que permitiu ao Super Nintendo rodar seus próprios jogos poligonais, mas o SVP era bem mais potente, pelo menos no papel. Na verdade, era tão potente que a Sega cogitava não apenas Virtua Racing no Mega Drive, como também Virtua Fighter (que acabou saindo, em versões 2D mesmo) e, pasmem, Daytona USA (esse, realmente, sem chance).

 Virtua Racing já era um jogo bem popular nos arcades no entanto (seu estilo quadradão infelizmente não sobreviveu ao próprio Daytona USA, Ridge Racer e outros jogos com mapeamento de texturas e outros efeitos mais modernos, que fizeram VR praticamente desaparecer dos fliperamas com o tempo, tornando o jogo um tanto quanto esquecido) e a idéia de lançá-lo no Mega Drive seria um ótimo golpe de marketing. O problema é que o cartucho era muito caro. Muito caro mesmo, no lançamento, custava US$ 100,00 (aliás, isso foi uma das justificativas da Sega para lançar o 32X: Que no final era mais econômico pro usuário comprar um periférico que resolveria o problema de vez do que ter que subsidiar esses chips em cada jogo 3D que quiser jogar). Mas entregava resultados realmente incríveis, no entanto.

 Resultados bem melhores que os que o Super Fx jamais sonharia em produzir, de fato. Na verdade, Virtua Racing no Mega Drive as vezes parece melhor que alguns dos primeiros jogos de hardwares muito mais potentes que o do Mega Drive, mas não vou entrar nessa polêmica. O fato é que pra um jogo de 16-bit, é muito mais que impressionante.


 Tá, mas e o jogo? 

 Quem viveu aqueles primeiros anos de jogos poligonais sabe que em muitos casos (e principalmente nos casos que eram considerados "maravilhas técnicas") todos esses polígonos vinham ao custo de uma jogabilidade péssima. Não era nem de longe o caso em Virtua Racing.

 Na verdade, Virtua Racing é o mais próximo que o Mega Drive chegou de Daytona USA. E chegou perto: A jogabilidade e o controle do carro realmente parecem ser a base do que seria aprimorado em Daytona (pessoas mais familiarizadas com Daytona podem inclusive notar muitas semelhanças no traçado das pistas, alias. Há até uma ponte que praticamente GRITA Daytona USA toda vez que a vejo). Ainda que limitado em opções (não há muito o que fazer além de correr repetidamente pelas mesmas 3 pistas em dificuldades diferentes), o jogo consegue se consolidar como um dos melhores de corrida do Mega Drive.

 As corridas seguem naquele estilo clássico dos arcades da Sega da primeira metade dos anos 1990, ou seja, vença a corrida, não se esqueça de passar os checkpoints dentro do tempo limite, que na verdade será o desáfio verdadeiro da maioria dos iniciantes. Embora para olhos acostumados com Forza Horizon, Driveclub e Gran Turismo que temos hoje, os primeiros 10 ou 15 minutos desse jogo sejam bem estranhos, depois que você se acostuma, é inegável que é um jogo muito gostoso de jogar.

 A versão perdida do jogo esquecido. Ou vice-versa.

 Olhando pra trás e conhecendo a Sega e seus periféricos, as vezes eu tenho minhas dúvidas se o Mega Drive realmente estava processando alguma coisa em Virtua Racing. Chego a pensar que o cartucho fazia todo o processo sozinho, quase como se fosse um 32X em miniatura ali, e o Mega Drive estivesse apenas ligado para fornecer energia e, no máximo, processar algo "secundário" como o som, por exemplo. Sempre pensei nisso na verdade, e partindo desse princípio, minha imaginação vislumbrava coisas incríveis pra ser jogadas no meu Mega Drive, que a Sega aparentemente também chegou a cogitar, antes de esquecer o SVP em favor do 32X.

 Com a internet, as maravilhas da emulação e tudo o mais, é realmente muito improvável que alguém vá jogar a versão Mega Drive de Virtua Racing por qualquer motivo que não seja nostalgia ou curiosidade (neste último, acredito que a jogatina não vá durar mais que 3 corridas), uma vez que é igualmente fácil conseguir as versões superiores de Arcade, 32X e até Saturn.

 Mas pra quem jogou ainda no Mega Drive, assim, de surpresa, foi uma sensação indescritível que eu duvido muito que algum game voltará a proporcionar. Mesmo com o preço proibitivo, Virtua Racing vendeu bem no Mega Drive e foi considerado um sucesso comercial, então, essa sensação deve ter sido sentida por muita gente ao redor do globo. Citando o livro "1001 Games Para Jogar Antes de Morrer", foi como testemunhar a criação do fogo.

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