segunda-feira, 12 de abril de 2010

Godzilla chega à São Paulo

  Tragédia. Francamente, ninguém aguenta mais ouvir falar em tragédias. É no Haiti. Mal terminou, foi pro Chile. Agora é a vez do Rio de Janeiro. Quem é a próxima?
  Tragédia por tragédia, desculpem-me os politicamente corretos, poderiam no minimo ser tragédias interessantes, daquelas para você olhar pros seus netos e dizer, até com certo orgulho: “Eu vi!” . Terremotos, deslizamentos, maremotos, esse tipo de coisas é muito sem graça... Poderia ser algo diferenciado. Uma invasão alienígena, uma infestação de zumbis, alguma situação parecida com a do filme Armageddon... Sei lá, qualquer coisa.

  Qualquer coisa. E por que não, o aparecimento de Godzilla. Onde? Tóquio já teve sua chance no cinema. Nova Iorque idem. E nenhuma delas nunca teve nada parecido para se inspirar. São Paulo já teve (quem não se lembra do jacaré Teimoso?). Então os paulistanos tem propriedade para perguntar-se: Afinal, como seria se o lagarto celebridade aparecesse na terra da garoa?




  Das profundezas do Tiête

  São Paulo, a capital, diferente de Nova Iorque ou Tóquio, não tem mar. Por esse motivo, uma criatura anfíbia como Godzilla teria mais problemas para aparecer na cidade, certo? Errado. Teimoso, o jacaré, que o diga. Além dele, outro jacaré (esse sem nome), capivaras e lontras, entre outros animais semi-aquáticos, que ainda hoje habitam o rio Pinheiros que corta a capital discordariam.
  Parece bem coerente aliás, que nosso Zila fosse confundido Jacaré gigantesco. Ele também não poderia ter sido criado por exposição a testes nucleares, sendo mais natural imaginar que seu tamanho avantajado deve-se aos efeitos da poluição.
  Zila poderia facilmente se esconder nas águas escuras do rio. E no Pinheiros encontraria uma bela fonte de alimentação por um bom tempo, livre de quaisquer tipo de competição ou ameaça... Até ser encontrado.

  Prazer, sou Godzilla

  Quando o grande público tomasse nota, moradores já teriam avistado Zila algumas vezes, tendo inclusive feito várias denuncias a polícia, que fatalmente os teria ignorado. É sabido que existem animais no Rio Pinheiros, e é sabido que o povo gosta de exagerar. Logo, um jacaré de 40 metros de comprimento certamente soava como exagero, e a polícia não iria gastar seu valioso tempo procurando aquele animal.
  No entanto, haja capivaras para alimentar um bicho desse tamanho. Cedo ou tarde elas acabariam, e então Zila teria que achar outro almoço... Fora do rio.

  Tão logo saisse da água, Zila se tornaria a celebridade do momento. Engavetamentos, desespero, correria, tudo transmitido ao vivo por  uma tomada aérea da cena, que seria flagrada pelo “Globocop” que estava por acaso cobrindo o trânsito da região (que nunca precisou de um monstro para ser caótico). Consegue ouvir a chamada do plantao da Globo? Então...

  O Caos estaria instaurado. Assustado com a reação das pessoas, Zila correria desesperadamente, derrubando alguns viadutos, esmagando alguns carros e fazendo um rastro de vitimas... Até desaparecer novamente da vista de todos. E fazer a alegria da mídia...

  Salve-se quem puder...

  Edições extras de jornais impressos. Cobertura completa na TV, no rádio.  Fora o congestionamento nas linhas telefônicas e internet. E isso apenas três horas depois do primeiro contato com Zila.
  Diante das câmeras, o prefeito já sinalizaria jogar a culpa no Estado. Esse acusaria o Governo Federal na rádio. E este por sua vez dizia que não sabia de nada.
  População em pânico. Aulas suspensas. Trabalho suspenso. Tudo suspenso. A polícia não teria sequer tempo para pensar em fazer algo acerca do monstro, uma vez que a própria população, tomada pelo pânico, se tornaria um monstro ainda mais difícil de ser controlado.

  E para a imprensa, isso tudo era um prato cheio. Godzilla seria uma mina de ouro.


  O novo rei dos tablóides.

  Alguns dias depois, Godzila se tornaria a grande sensação do momento. O video no Youtube rapidamente quebraria todos os records. Comunidades no Orkut sobre o tema brotariam do chão e em poucas horas estariam bombando. No Twitter o assunto seria rapidamente o mais comentado. A Veja lançaria uma edição especial, assim como a maioria dos jornais deixaria um caderno apenas para falar do animal. Até funk do Godzilla já teria aparecido.
  “- Sou eu monstro gigante, e esse rio ta de matar... To saindo dessa água, pro povão apavorar!
   -Vai subir naquele prédio?
   - Não, não! Vou derrubar!”

  E é claro, as TV's iriam se deliciar... Alguns canais (como a Rede TV) fariam cobertura quase que 24 horas das operações do exército em busca da criatura. Nos canais jornalísticos (como a Band News, Globo News ou Record News), pode retirar o quase da frase. Zila estaria no ar 24 x 7.
  Prepare-se para ter sua programação interrompida a cada avistamento, a cada pegada encontrada, a cada capivara morta...

  José Luiz Datena, em seu programa, trataria Godzilla como sendo um bandido da mais alta periculosidade. Cobraria atitude das autoridades. Prefeito, governador, presidente, ministro da defesa, cruz vermelha... "Põe na tela a cara dessa vagabundo!" e “Cadê as autoridades!?” são frases que não poderiam faltar.
   E como manda a cartilha, diria frases no estilo Chuck Norris, para passar segurança ao seu público e afirmar-se como xerifão da TV Brasileira. “Eu não tenho medo de você não, ô seu grandalhão!!”, seria uma das frases proferidas, claro, da segurança do seu estúdio.

  Sônia Abrão não ficaria atrás. No dia seguinte já teria um especialista em lagartos gigantes no seu programa, para falar o que levou esse animal a aparecer, informações técnicas acerca do mesmo (altura e peso aproximados, espécie, etc), hábitos e é claro, a possibilidade de aparecerem mais, que mesmo que seja mínima, será tratada com especial enfoque. “Especialista diz que podem haver mais!” será a chamada ao longo do programa.

  Na contra-mão dos dois primeiros, que estariam tratando Zila como a ameaça, Eliana o trataria como vítima. Numa matéria comovente, ela tentaria provar a humanidade que a culpa de tudo eramos nós mesmos. Que Godzilla não era o vilão. Ele apenas queria viver em paz, e nós estávamos em seu caminho. E o bichinho não tinha culpa de estar varrendo tudo e todos que fiquem na sua frente.

  E não se esqueça da cobertura completa do Fantástico, no domingo. A matéria certamente não fugiria muito da consagrada fórmula: Um resumo dos principais acontecimentos, imagens chocantes, entrevista com as autoridades e é claro, uma conversa com algum popular que perdeu um parente por causa do monstro, popular esse que não poderia deixar de chorar para dar um ar comovente a matéria.

  Operação pega lagarto

  As forças armadas estariam a todo vapor em São Paulo, vasculhando cada galeria fluvial, cada centímetro do Rio Pìnheiros... E Zila logo seria encontrado. No entanto, a falta de preparo para uma situação dessas (compreensível até), causaria ainda mais problemas. Ele teria a vantagem: Armamento de guerra não era muito recomendado em São Paulo, já que causaria muitos danos a cidade. Armas mais “ordinárias” não fariam cócegas em Zila. Ou até fariam

  Você não deve atirar num lagarto gigante, a menos que você tenha certeza que ele vai morrer. Zila não morreria assim fácil. Causaria uma tremenda confusão a cada avistamento.  Numa dessas, atacaria pedestres, lutaria com um trem como se fosse uma presa, derrubaria alguns prédios no entorno e correria sentido centro...

  Encurralado, perseguido, ferido, Zila acabaria pulando no Rio Tiête. Mais poluído, com menos fonte de alimento, porém ainda mais escuro. Seria a hora de dar o golpe final.

  Zila seria atraido para um campo aberto, onde ele poderia ser realmente fuzilado até a morte. Como a essa altura ele já estaria no Tiête, o Campo de Marte parece o lugar perfeito.
  Tão logo chegasse lá, atraido por uma isca qualquer (peixes como no filme de 2000?), Zila seria atacado. Mas, surpreendentemente, não com armamento pesado de guerra, e sim com sonífero. Toneladas de sonífero. Zila era valioso demais para ser morto. São Paulo se tornaria a cidade de Godzilla.

  O Show deve continuar

  Capturado, Zilla seria levado as preças para o Zôo de São Paulo, onde uma gigantesca estrutura seria construída as pressas para contê-lo. O ingresso do Zôo ganharia um boost. Dos R$: 6,00 atuais, para no mínimo R$:300,00.

  E viriam pessoas de todo o planeta para conhecer a fera, tornando o Zôo o principal ponto turístico do Brasil, deixando o Cristo Redentor no chinelo..
  Um novo “We Are the World” seria gravado, para ajudar a reconstruir a cidade.
  Ong's em defesa dos animais pipocariam pela cidade e pelo planeta afora, a maioria delas exigindo que a criatura fosse libertada. Obviamente não seriam ouvidas.
  Religiosos encontrariam todo o tipo de referencias na Bíblia, Alcorão ou seja lá qual for o livro sagrado em que acreditem, para relacionar o aparecimento do monstro com o fim dos tempos, ignorando todas as (plausíveis) esplicações científicas do fato.

  Bem, isso sim seria uma tragédia interessante, a que se justifique todo o escarcéu criado pela imprensa. Não que as outras sejam pequenas ou não devam ser noticiadas, longe disso. Mas querem transforma-las em coisa de cinema, em espetáculo, em show. Talvez pela falta de algo de cinema para noticiar. Talvez na falta de um verdadeiro, eles precisem criar um Godzilla novo por mês. Onde estará o próximo?

2 comentários:

  1. Sério... eu tenho medo do que você usa pra escrever essas coisas. xD
    Mas gostei.

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  2. "Põe na tela a cara dessa vagabundo!" e “Cadê as autoridades!?”

    Ri muito nesta parte, ótimo artigo.

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