quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Milagre de Belo Horizonte

  Existem momentos da vida que você sabe que entrarão para a história. E existem momentos que a primeira vista parecem totalmente triviais, e quando você percebe, já está vendo a história sendo escrita. É nessa imprevisibilidade que se esconderam grandes eventos da história da humanidade. Ou alguém esperava, por exemplo, que aquela manhã de 11 de Setembro entraria para a história?
No futebol, e no esporte em geral, isso também se aplica. Muitas vezes, são nos jogos mais “comuns” que as melhores histórias, aquelas que nós vamos querer contar para os nossos netos, estão fadadas a acontecer.

Para dar um exemplo simples de situação absurda que se realmente acontecesse entraria para a história, imagine só um jogo em que um time formado por um monte de estudantes, um carteiro, um motorista e vários outros profissionais de todas as áreas, exceto jogadores de futebol, ganhasse de uma seleção poderosa e renomada como a Inglaterra, em plena Copa do Mundo.

Hey, espera um momento, isso aconteceu mesmo! Parece loucura né? Então vamos voltar para o ano de 1950, a Primeira Copa do Mundo no Brasil...


A “Seleção” que embarcou rumo ao Brasil

A Copa do Mundo de 1950, no Brasil, seria a primeira Copa desde que estourou a Segunda Guerra Mundial. Por isso, houveram muitos problemas de organização. Muitas das seleções Européias, por exemplo, se recusaram a viajar para a América do Sul, simplesmente porque seus países estavam tão quebrados depois da Guerra, que não tinham dinheiro nem para pagar a viagem de suas seleções. E a maioria veio de navio, pelo fato dos europeus ainda estarem traumatizados pela tragédia que acontecera com o Torino anos antes. Uma viagem longa, cansativa, que fez com que jogadores chegassem, em média, 5kg mais gordos aqui...


Outra que não jogou aquela Copa foi a poderosa Seleção Argentina, que na época era tida como o melhor time do mundo, com craques como Sastre e Di Stéfano. Os Hermanos estavam brigados com a Confederação Brasileira por conta de um desentendimento em um Sul Americano disputado na década anterior.

Sobrou então um convite para os Estados Unidos, que sequer tinham uma seleção. Aliás, eles não tinham nem times. Se futebol não é um dos esportes mais populares por lá hoje, mesmo com os crescimento da MLS (campeonato profissional de “Soccer” deles), imagine em 1950... Futebol na Terra do Tio Sam naquele tempo era apenas para imigrantes e alguns universitários. Mas naquele ano eles decidiram que, diferente das Copas de 1934 e 1938, em que os estadunidenses mandaram jogadores de outros países para representá-los, dessa vez, apenas “yankees” formariam o time. E assim foi...

Fizeram uma “seleção” de pessoas que jogavam nos finais de semana, em campos de rua, e viam o futebol como um hobby mesmo. Mais ou menos como escolher alguns jogadores de várzea do seu bairro e levar pra Copa...

Os imbatíveis

Quem foi ao Estádio Independência, em Belo Horizonte, naquele 29 de Junho de 1950, certamente sabia o que esperar. Basicamente, eles pagaram para ver a Inglaterra esmagar os Estados Unidos na segunda rodada da Copa do Mundo. Isso por que, enquanto os EUA eram um time amador montado as pressas, a Inglaterra, além de serem os inventores do futebol, estavam recheados de craques que jogavam nos principais campeonatos da Europa, sendo a maioria deles no próprio Campeonato Inglês, o mais antigo e, teoricamente, evoluído do mundo até então...

A estréia de ambas as equipes reforçava isso: Enquanto a Inglaterra havia vencido sem dificuldades o Chile, os Estados Unidos haviam perdido por 3 x 1 para a Espanha. A Inglaterra (assim como o resto da humanidade) tinha tanta convicção em sua vitória que sequer escalou seu principal jogador, Stanley Matthews, que o treinador achou melhor poupar para o último jogo contra a Espanha, que seria, na sua visão, muito mais difícil...

Mesmo os norte-americanos não tinham a menor perspectiva de realmente vencer o jogo. Para eles, uma derrota por 2 x 0 seria um resultado honroso. O goleiro dos EUA, Frank Borghi, declarou mais tarde que “Esperava poder segurar para que marcassem apenas 5 ou 6 gols”.

Frank trabalhava como motorista de carro fúnebre, mas aquele dia, sua função era a de pedra, pedra no sapato dos ingleses. Ou, melhor dizendo, uma verdadeira parede. A Inglaterra, como era esperado, começou o jogo com tudo, disparando um verdadeiro bombardeio contra os seus atordoados adversários. Mas o goleirão começou pegando tudo. Ou quase tudo. Mas o que ele não pegava, parava na trave...

O jogo prosseguiu dessa forma, com a Inglaterra atacando e os EUA se defendendo como podiam até os 37 minutos do primeiro tempo. Foi quando Walter Bahr, um professor primário, deu um chutão do meio de campo que parecia totalmente despretensioso. O goleiro inglês Williams saiu cheio de confiança para fazer a defesa, mas foi surpreendido por Joseph Gaetjens, um estudante que trabalhava lavando pratos em um restaurante e que, na única chance que os EUA tiveram durante o jogo inteiro, antecipou-se e mandou a bola pras redes...

Houve aquele momento de choque que só quem acompanha futebol deve saber como é: Por um instante que deve ter durado uma eternidade, os jogadores dos EUA olharam sem acreditar que haviam feito um gol. Os ingleses, olharam sem acreditar que haviam tomado um gol. E os torcedores também olharam, por uma breve fração de segundos, perplexos. E então, foi aquela comemoração. Mas ainda havia muito jogo pela frente...

Ótimo, estamos vencendo! Mas... E agora?

Os times voltaram para o segundo tempo com espiritos totalmente invertidos. Os EUA agora acreditavam que podiam vencer, e os ingleses agora jogavam com o peso da vergonha nas costas: Eles tinham que virar o jogo a qualquer custo. Não era mais uma questão de futebol, era uma questão de honra.

A torcida brasileira agora havia comprado a briga dos EUA, haviam se identificado com os humildes “jogadores” que tentavam repetir o final feliz de uma típica história de Davi e Golias. As 10 mil pessoas que lotavam o Estádio Independência (detalhe que mostra como a primeira Copa do Mundo no Brasil era bem diferente da que será realizada aqui em 2014...) estavam agora torcendo fervorosamente pelos norte-americanos que, mais confiantes, conseguiam manter a bola nos pés mais tempo e diminuir o bombardeio de uma desesperada Inglaterra, que agora via a bola queimar nos seus pés. Foram 45 minutos muito tensos, que em alguns momentos lembraram esportes muito mais familiares para os EUA, como o Futebol Americano.

A Inglaterra ainda chutou mais duas bolas na trave, e o goleiro Borghi também teve que trabalhar mais um pouco...
Mas o jogo chegou ao fim, e a seleção semi-profissional dos EUA havia feito o que parecia impossível: Vencido a seleção dos inventores do futebol em seu próprio esporte, em plena Copa do Mundo...

Um heroísmo que demorou a ser reconhecido...

Ao término do jogo, que mais tarde viria a ser conhecido como o maior mico da história do futebol, os jogadores dos EUA foram carregados em volta do campo pela torcida eufórica, em uma comemoração que poderia ser facilmente confundida com a comemoração de um título.

A Copa prosseguiu e a Inglaterra, mesmo agora contando com seu craque Matthews, não se recuperou do baque, foi derrotada pela Espanha por 1 x 0 e foi eliminada. Já os EUA foram goleados pelo Chile, por 5 x 2, e também voltaram para casa. Com o gostinho de campeões, no entanto...

Joe Gaetjens, carregado pela torcida ao final do jogo
Eles não foram saudados como heróis quando desembarcaram nos EUA, no entanto. Aliás, eles sequer foram saudados. A esmagadora maioria da população dos EUA nem sabia que existia uma Copa do Mundo de Futebol, ou melhor, uma Copa do Mundo de Soccer.
Para ter-se uma idéia, apenas um repórter veio acompanhar a seleção estadunidense, e ele teve que pagar suas passagens do próprio bolso, tudo porque o jornal para o qual trabalhava não estava interessado em cobrir o evento.

O tempo passou e com a popularização do futebol nos EUA, essa história também foi ganhando importância por lá. Tanto é que em 2005 essa história serviu de inspiração para um filme, chamado “Duelo de Campeões: The Game of Their Lives”. Pena que a esmagadora maioria dos jogadores daquele dia já não estão mais vivos para presenciar isso. Contando jogadores das duas equipes, apenas 4 continuam vivos...

No Brasil a história acabou sendo ofuscada por outra Zebra igualmente histórica, porém, muito mais traumatizante, que aconteceria logo depois: A derrota da Seleção Brasileira diante da seleção do Uruguai na final da Copa, no Maracanã lotado, o lendário Maracanazzo.

Quanto aos ingleses, esses não perderam a pose. Por exemplo, Tom Finney, atacante da seleção Inglesa, chegou a afirmar: “Chutamos várias vezes na trave no primeiro tempo e mais duas no segundo. Eles marcaram totalmente por acaso e nós baixamos a cabeça. Pensamos que não era o nosso dia... Poderíamos jogar mais 100 vezes com eles e ganharíamos 99 tranquilamente.”

É Tom, poderiam. Mas não jogaram. Jogaram apenas aquele jogo. E foi ele que entrou para a história...  

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