terça-feira, 25 de novembro de 2014

Por que os videogames são travados?

Um cartucho da EA no Mega Drive. Pra que servia o botão amarelo?
  As pessoas não desconfiam, mas os primeiros videogames "travados" não estavam tentando impedir jogos piratas como nós os conhecemos hoje. O plano era impedir jogos não licenciados de grandes empresas, como por exemplo, a poderosa Eletronic Arts.

 Continuando nossa viagem pelos anais da indústria dos games, cujo os capítulos anteriores você pode ler aqui, aquiaqui, vamos falar de mais uma situação que hoje em dia causaria bastante polêmica e longas batalhas em tribunais.

  Bom, na verdade, isso gerou bastante polêmica e muitas batalhas em tribunais - nem sempre com os resultados que a maioria de nós esperaria.

  Sem mais bla bla bla, façamos como Carl Seagan nos diria para fazer: Todos a bordo da nossa nave da imaginação, Vamos voltar para o começo dos anos 90 para entender melhor essa história.
 A arte eletrônica dos hackers.

 Ah, os primeiros anos da década de 90. Muita coisa mudou no mundo dos games nessa época. A nova onda do imperador era a Sega e seu Mega Drive. A mesa tinha virado, a Sega vendia mais que a Nintendo naquele momento e as empresas estavam cada vez mais interessadas no Mega Drive. 

  Claro que a Sega era em muitos sentidos parecida com a Nintendo e quem quisesse desenvolver jogos para o Mega Drive tinha que aceitar seus termos - não tão restritivos quanto os da Nintendo, mas existentes. 

  Nessa época, a Sega cobrava entre US$ 8,00 e US$ 10,00 dólares para cada cartucho produzido para o Mega. Isso significa que um jogo como NBA Jam, que vendeu cerca de 1.93 milhões de cópias, obrigou a Midway a pagar mais de US$ 15 milhões para a Sega apenas em taxas de licenciamento. 

  A Eletronic Arts era uma das empresas que não estava disposta a pagar as taxas, e recrutou o seu próprio time de cientistas loucos para fazer engenharia reversa no sistema da Sega. Definição segundo a wikipédia:

 "Objetivamente a engenharia reversa consiste em, por exemplo, desmontar uma máquina para descobrir como ela funciona"
  Uma vez destrinchado, o Mega Drive era uma porta aberta para a EA fazer o que quiser. Mas antes, ela fez o simples, e negociou. A EA teria oferecido pagar US$ 2,00 por cada cartucho, ao passo que a Sega, sem saída, acabou concordando. O problema maior não era nem a ameaça da EA lançar seus games sem pagar as taxas da Sega: Se a Sega tivesse optado pelo contrário, a EA poderia ter vendido a informação para as outras produtoras, e a coisa teria complicado.

  Legalmente, pelas leis da época, não havia muito o que fazer: Por mais que o software rodasse no Mega Drive, se o cartucho em si fosse levemente diferente dos originais da Sega e não incluísse o nome Sega ou nenhuma de suas marcas registradas, estava limpo. 

  EA e Sega talvez tenha sido a maior parceria da geração 16 bit. Muito do sucesso do Mega Drive se fez devido aos jogos da EA. É interessante ver como a história começou tensa. E terminaria tensa também, mas isso é assunto pra outra postagem.

  Um fato curioso: A EA já estava com seus cartuchos não licenciados em ponto de bala para ser produzidos. Mesmo depois de assinar com a Sega, eles acabaram não se importando muito e lançaram os jogos do jeito que estavam - feitos para burlar a segurança do Mega Drive. Por isso que os primeiros jogos da EA para Mega Drive tinham o cartucho diferente - mais altos, levemente mais magros e com um misterioso (e inútil) botão amarelo do lado esquerdo.

TMSS. 

  A situação serviu de aprendizado para a Sega, que colocou seus engenheiros para trabalhar em uma solução. A solução veio com o nome de TMSS: TradeMark Security System.

 A ideia era engenhosa: Os novos Mega Drives vinham com um sistema de verificação dos jogos, que procurava um código específico dentro do cartucho. Se o código estivesse lá, o sistema liberava o jogo para o videogame executar. Se não, o console se recusava a iniciar o programa. Havia um pulo do gato incluso: Se o sistema detectasse o código, exibia o logotipo da Sega, seguido de uma imagem dizendo que o jogo foi produzido sob licença da mesma. Então, se algum espertinho simplesmente copiasse o código para dentro do seu cartucho, o jogo acabaria ferindo as leis de direitos autorais por usar o nome e logotipo da Sega sem autorização. 

  A segurança era pesada ao ponto que os games da EA - que não tinham o código proprietário da Sega - não funcionavam nos Mega Drives novos. Para alguns games a EA lançou reboots corrigindo o problema. Os games menos conhecidos, no entanto, ela simplesmente deixou pra lá. O irônico é que isso não atingiu apenas games da EA, ou de terceiros - as versões japonesas de alguns games da própria Sega, como Space Harrier e After Burner II não funcionavam também! 

TMSS
  Entretanto, a situação continuava mais ou menos a mesma: Se alguém conseguisse fazer o jogo funcionar, sem ativar o tal TMSS, o jogo era legal. Havia quem estivesse disposto a encontrar um jeito de fazê-lo - e uma tal de Accolade, fundada por dois conhecidos rebeldes da industria dos games, realmente conseguiu. 

  A Accolade havia sido fundada por Alan Miller e Bob Whitehead, dois ex-funcionários da Activision, e desde o começo não estava disposta a fechar os contratos que a Sega oferecia. Diferente da EA, eles nem sequer negociaram: Seu jogo, Ishido: The Way of the Stones, foi lançado para o Mega Drive sem nenhum tipo de licença.

  Quando a Sega demonstrou pela primeira vez o TMSS em 1991, durante um evento chamado Consumer Eletronic Show (CES) , o jogo escolhido para demonstrar o funcionamento do sistema foi justamente Ishido.

  A Accolade não deixaria esse tapa na cara passar batido. Compraram um Mega Drive com 3 jogos, modificaram de forma que pudessem salvar o código fonte enquanto o jogo executava, e procuraram até encontrar a linha que liberava o funcionamento do jogo. Não há informação de quais foram esses 3 jogos, mas eu gosto de pensar que pelo menos um deles tenha sido da EA - porque seria bastante irônico.

  Dos 5 games que a Accolade lançou no ano seguinte, 4 funcionavam em qualquer Mega Drive. Apenas um não funcionava nos novos, por um motivo estúpido: Erro de digitação do programador justamente no código que liberava o jogo. Entretanto, os jogos mostravam a marca da Sega na tela inicial, a brecha que a Sega precisava pra levar a briga pro tribunal, numa longa e complexa disputa por direitos autorais que é citada ainda hoje em praticamente qualquer disputa judicial no Vale do Silício.

  Para encurtar, depois de um sem número de apelações, quando a Sega achou que ia vencer, e a Accolade achou que ia perder, o juiz deu uma sentença derradeira e surpreendente: Considerou que não havia nada de errado em usar engenharia reversa no hardware, desde que o essa fosse a única maneira de acessar elementos funcionais do sistema protegido por direitos autorais, houvesse uma boa razão para tal e o software resultante não utilizasse diretamente nenhuma marca protegida por lei.

 Pessoas mais atentas vão notar o ponto importante aqui: É essa decisão que sustenta a legalidade dos emuladores que usamos hoje em dia.

  Entretanto, a Accolade havia realmente infringido os direitos autorais da Sega. Num acordo entre as duas empresas, ficou acertado que a Accolade teria que assinar os termos da Sega e seus jogos seriam exclusivos de seus aparelhos por 5 anos.

  Ainda que a Sega tenha lucrado com isso, de certa forma, quem pagou o pato mesmo foram os jogadores do Mega Drive e Game Gear: Os jogos da Accolade eram horríveis.

  Traduzindo em miúdos

  Voltemos pra 2014. Qual nome é dado pra alguém que cria maneiras de burlar as travas de proteção de um videogame, de maneira que possa executar nele software e produtos não licenciados pela dona do Hardware?

  Isso mesmo: Pirataria.

  De forma rude, pode-se dizer que essa foi a primeira batalha que a Sega teve de fato contra algo que pode-se definir como "mercado paralelo de jogos", e por isso, teve que encontrar uma maneira inteligente de bloquear os jogos não licenciados. Numa época sem atualizações de sistema pela internet, o jeito foi usar a criatividade e travar longas batalhas na justiça.

Mas ela não foi a primeira a encarar esse problema. Na próxima postagem, continuaremos esse assunto pra falar da outra gigante da indústria, a Nintendo. Porque pau que bate em Chico, bate em Francisco também. 


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