Um cartucho da EA no Mega Drive. Pra que servia o botão amarelo? |
Continuando nossa viagem pelos anais da indústria dos games, cujo os capítulos anteriores você pode ler aqui, aqui e aqui, vamos falar de mais uma situação que hoje em dia causaria bastante polêmica e longas batalhas em tribunais.
Bom, na verdade, isso gerou bastante polêmica e muitas batalhas em tribunais - nem sempre com os resultados que a maioria de nós esperaria.
Sem mais bla bla bla, façamos como Carl Seagan nos diria para fazer: Todos a bordo da nossa nave da imaginação, Vamos voltar para o começo dos anos 90 para entender melhor essa história.
A arte eletrônica dos hackers.
Ah, os primeiros anos da década de 90. Muita coisa mudou no mundo dos games nessa época. A nova onda do imperador era a Sega e seu Mega Drive. A mesa tinha virado, a Sega vendia mais que a Nintendo naquele momento e as empresas estavam cada vez mais interessadas no Mega Drive.
Claro que a Sega era em muitos sentidos parecida com a Nintendo e quem quisesse desenvolver jogos para o Mega Drive tinha que aceitar seus termos - não tão restritivos quanto os da Nintendo, mas existentes.
Nessa época, a Sega cobrava entre US$ 8,00 e US$ 10,00 dólares para cada cartucho produzido para o Mega. Isso significa que um jogo como NBA Jam, que vendeu cerca de 1.93 milhões de cópias, obrigou a Midway a pagar mais de US$ 15 milhões para a Sega apenas em taxas de licenciamento.
A Eletronic Arts era uma das empresas que não estava disposta a pagar as taxas, e recrutou o seu próprio time de cientistas loucos para fazer engenharia reversa no sistema da Sega. Definição segundo a wikipédia:
"Objetivamente a engenharia reversa consiste em, por exemplo, desmontar uma máquina para descobrir como ela funciona"
Uma vez destrinchado, o Mega Drive era uma porta aberta para a EA fazer o que quiser. Mas antes, ela fez o simples, e negociou. A EA teria oferecido pagar US$ 2,00 por cada cartucho, ao passo que a Sega, sem saída, acabou concordando. O problema maior não era nem a ameaça da EA lançar seus games sem pagar as taxas da Sega: Se a Sega tivesse optado pelo contrário, a EA poderia ter vendido a informação para as outras produtoras, e a coisa teria complicado.
Legalmente, pelas leis da época, não havia muito o que fazer: Por mais que o software rodasse no Mega Drive, se o cartucho em si fosse levemente diferente dos originais da Sega e não incluísse o nome Sega ou nenhuma de suas marcas registradas, estava limpo.
EA e Sega talvez tenha sido a maior parceria da geração 16 bit. Muito do sucesso do Mega Drive se fez devido aos jogos da EA. É interessante ver como a história começou tensa. E terminaria tensa também, mas isso é assunto pra outra postagem.
Um fato curioso: A EA já estava com seus cartuchos não licenciados em ponto de bala para ser produzidos. Mesmo depois de assinar com a Sega, eles acabaram não se importando muito e lançaram os jogos do jeito que estavam - feitos para burlar a segurança do Mega Drive. Por isso que os primeiros jogos da EA para Mega Drive tinham o cartucho diferente - mais altos, levemente mais magros e com um misterioso (e inútil) botão amarelo do lado esquerdo.
TMSS.
A situação serviu de aprendizado para a Sega, que colocou seus engenheiros para trabalhar em uma solução. A solução veio com o nome de TMSS: TradeMark Security System.
A ideia era engenhosa: Os novos Mega Drives vinham com um sistema de verificação dos jogos, que procurava um código específico dentro do cartucho. Se o código estivesse lá, o sistema liberava o jogo para o videogame executar. Se não, o console se recusava a iniciar o programa. Havia um pulo do gato incluso: Se o sistema detectasse o código, exibia o logotipo da Sega, seguido de uma imagem dizendo que o jogo foi produzido sob licença da mesma. Então, se algum espertinho simplesmente copiasse o código para dentro do seu cartucho, o jogo acabaria ferindo as leis de direitos autorais por usar o nome e logotipo da Sega sem autorização.
A segurança era pesada ao ponto que os games da EA - que não tinham o código proprietário da Sega - não funcionavam nos Mega Drives novos. Para alguns games a EA lançou reboots corrigindo o problema. Os games menos conhecidos, no entanto, ela simplesmente deixou pra lá. O irônico é que isso não atingiu apenas games da EA, ou de terceiros - as versões japonesas de alguns games da própria Sega, como Space Harrier e After Burner II não funcionavam também!
TMSS |
A Accolade havia sido fundada por Alan Miller e Bob Whitehead, dois ex-funcionários da Activision, e desde o começo não estava disposta a fechar os contratos que a Sega oferecia. Diferente da EA, eles nem sequer negociaram: Seu jogo, Ishido: The Way of the Stones, foi lançado para o Mega Drive sem nenhum tipo de licença.
Quando a Sega demonstrou pela primeira vez o TMSS em 1991, durante um evento chamado Consumer Eletronic Show (CES) , o jogo escolhido para demonstrar o funcionamento do sistema foi justamente Ishido.
A Accolade não deixaria esse tapa na cara passar batido. Compraram um Mega Drive com 3 jogos, modificaram de forma que pudessem salvar o código fonte enquanto o jogo executava, e procuraram até encontrar a linha que liberava o funcionamento do jogo. Não há informação de quais foram esses 3 jogos, mas eu gosto de pensar que pelo menos um deles tenha sido da EA - porque seria bastante irônico.
Dos 5 games que a Accolade lançou no ano seguinte, 4 funcionavam em qualquer Mega Drive. Apenas um não funcionava nos novos, por um motivo estúpido: Erro de digitação do programador justamente no código que liberava o jogo. Entretanto, os jogos mostravam a marca da Sega na tela inicial, a brecha que a Sega precisava pra levar a briga pro tribunal, numa longa e complexa disputa por direitos autorais que é citada ainda hoje em praticamente qualquer disputa judicial no Vale do Silício.
Para encurtar, depois de um sem número de apelações, quando a Sega achou que ia vencer, e a Accolade achou que ia perder, o juiz deu uma sentença derradeira e surpreendente: Considerou que não havia nada de errado em usar engenharia reversa no hardware, desde que o essa fosse a única maneira de acessar elementos funcionais do sistema protegido por direitos autorais, houvesse uma boa razão para tal e o software resultante não utilizasse diretamente nenhuma marca protegida por lei.
Pessoas mais atentas vão notar o ponto importante aqui: É essa decisão que sustenta a legalidade dos emuladores que usamos hoje em dia.
Entretanto, a Accolade havia realmente infringido os direitos autorais da Sega. Num acordo entre as duas empresas, ficou acertado que a Accolade teria que assinar os termos da Sega e seus jogos seriam exclusivos de seus aparelhos por 5 anos.
Ainda que a Sega tenha lucrado com isso, de certa forma, quem pagou o pato mesmo foram os jogadores do Mega Drive e Game Gear: Os jogos da Accolade eram horríveis.
Traduzindo em miúdos
Voltemos pra 2014. Qual nome é dado pra alguém que cria maneiras de burlar as travas de proteção de um videogame, de maneira que possa executar nele software e produtos não licenciados pela dona do Hardware?
Isso mesmo: Pirataria.
De forma rude, pode-se dizer que essa foi a primeira batalha que a Sega teve de fato contra algo que pode-se definir como "mercado paralelo de jogos", e por isso, teve que encontrar uma maneira inteligente de bloquear os jogos não licenciados. Numa época sem atualizações de sistema pela internet, o jeito foi usar a criatividade e travar longas batalhas na justiça.
Mas ela não foi a primeira a encarar esse problema. Na próxima postagem, continuaremos esse assunto pra falar da outra gigante da indústria, a Nintendo. Porque pau que bate em Chico, bate em Francisco também.
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