As vezes, nós somos privilegiados e nem notamos. Provavelmente porque nem estamos esperando ser privilegiados naquele momento. E levamos algumas horas, as vezes dias, para notar a sorte que tivemos. Falo de momentos da vida em que aquilo que era para ser um evento normal e trivial, por um motivo ou outro, se torna algo histórico, algo que ficará tatuado nas nossas mentes por toda nossa vida e inspirará reportagens da TV durante muitas e muitas décadas a partir dali. Reportagens essas que nós veremos e falaremos para os nossos netos, cheios de orgulho: “Eu vi isso acontecer ao vivo!”
A Fórmula 1 está cheia desses momentos. Até por que, para quem está assistindo, uma corrida pode, por uma série de fatores, evoluir de “tediosamente sonolenta” para “alucinantemente emocionante” em apenas uma volta. Ou ainda, em algum dia, algum dos gênios da categoria pode acordar inspirado e resolver brindar a todos com alguma obra prima.
E como lembrar de coisas boas sempre é uma ótima maneira de usarmos nosso tempo, estão aqui selecionadas, sem ordem específica (por que é muito difícil escolher a melhor entre elas), algumas das corridas mais inesquecíveis da história da categoria. Corridas que ganharam contornos dramáticos e nos fizeram levantar do sofá e esquecer tudo a nossa volta. Corridas que realmente fizeram valer a pena acordar cedo no domingo... Poderíamos citar aqui dezenas de corridas. Mas como o blog preza por qualidade, e não por quantidade, escolhemos apenas 6 corridas, para podermos explicar direitinho o que aconteceu em cada uma delas... Aperte o cinto, e é melhor estar com seu coração em plenas condições...
Villeneuve x Arnoux – França – 1979
Para muitos foi o maior “pega” da história da Fórmula 1. Gilles Villenneuve e René Arnoux lutavam pelo segundo lugar no grande prêmio da França, que marcou a primeira vez que um carro com motor turbo venceu na F-1. Mas a vitória da Renault de Jean Pierre Jabouille passou quase despercebida por conta da performance completamente insana de Villeneuve e Arnoux.
Uma pessoa desavisada certamente pensaria que o que estava em jogo era no mínimo a vitória e o título, e não uma disputa pelo segundo lugar.
As 3 últimas voltas foram puro frenesi. Ambos se tocaram várias vezes, fizeram ultrapassagens completamente improváveis, e de uma forma quase milagrosa conseguiram sair inteiros, e vivos, da corrida, levando o público ao delírio. A disputa entre os dois foi tão intensa e arriscada que não foi bem vista entre os outros pilotos, levando-os a tomar uma bronca de alguns pilotos mais experientes, como Niki Lauda e Emerson Fittipaldi.
Piquet x Mansell x Prost – Austrália – 1986
O GP da Austrália daquele ano de 1986 tinha tudo para ser inesquecível mesmo: Piquet, Prost e Mansell ainda tinham chances de título nessa que era a última corrida da temporada. Com 3 pilotos desse calibre tendo que fazer uma corrida impecável para vencer, convenhamos que contexto melhor seria impossível.
Mesmo assim, nem mesmo o mais otimista poderia imaginar uma corrida como aquela. Alheio a disputa pelo título, porém, fazendo sua corrida de despedida, Keke Rossberg liderou boa parte da prova. Porém, com a corrida já chegando em seus momentos decisivos, o pneu traseiro do experiente piloto finlandês se desfez em tiras e ele teve que abandonar a corrida.
Com isso o título caiu no colo de Nigell Mansell, que assumiu o terceiro lugar que ele precisava para vencer o campeonato, mesmo com Nelson Piquet assumindo a liderança e Prost estando em segundo lugar. Mas a bruxa estava solta e o pneu de Mansell também não resistiu (a cena do pneu estourando resultou num show de faíscas fantástico). O piloto conseguiu controlar o carro com apenas três rodas e evitou um acidente que seria muito forte, mas foi forçado a abandonar também.
Agora o título era do então líder Piquet. Só havia um problema: Piquet ainda não havia parado para trocar os pneus. Prost já. O brasileiro resistiu e até chegou a insinuar no rádio que iria até o fim com aquela jogo de pneus, mas, muito por conta do que havia acontecido com Rossberg e Mansell (que era seu companheiro de equipes e usava o mesmo tipo de pneus), acabou cedendo. Voltou 18 segundos atrás de Prost. Ainda conseguiu com uma sequência de voltas perfeitas diminuir a diferença para 4 segundos, mas não conseguiu recuperar o tempo perdido e o francês acabou campeão...
Massa x Hamilton – Brasil – 2008
Demoraram algumas décadas para termos um final de campeonato tão alucinante quanto o de 86. Mas ela veio em grande estilo. Essa corrida é uma bela demonstração de como a F-1 pode ganhar transtornos dramáticos com uma simples mudança climática, e como Interlagos é uma pista perfeita para desfechos improváveis.
Afinal de contas, por mais que o campeonato estivesse em aberto na última corrida do campeonato, ele parecia mais do que decidido: Para que o título escapasse das mãos de Lewis Hamilton, Felipe Massa precisaria ganhar a corrida com sua Ferrari irregular, e Hamilton teria que ficar pelo menos em 6° com sua McLaren.
Massa fez uma corrida perfeita. Fez a pole-position e manteve-se na liderança durante praticamente a corrida inteira. Hamilton largou em sétimo, e ficou oscilando durante a corrida, porém, na maior parte do tempo, manteve-se em quarto lugar. Foi ai que ela resolveu voltar: A chuva. Já havia chovido fraco no começo da corrida, mas desde então a pista havia secado. Faltando apenas 8 voltas para o fim, voltou a chover forte em Interlagos. Todos os pilotos vinham com pneus de pista seca, e faltava muito pouco para o fim da corrida. Parar e trocar os pneus ou não? Essa era a questão. Questão ainda pior para Hamilton, que estava literalmente andando na linha entre o tudo ou nada: Perder o controle do carro custaria o campeonato. Mas parar e não conseguir voltar a tempo, resultaria no mesmo desfecho...
Hamilton no entanto parou. Perdeu apenas uma posição, e ficou em quinto. Até ali ele ainda era campeão. No entanto, Sebastian Vettel vinha mais rápido e passou Hamilton, colocando-o em sexto. A torcida brasileira foi ao delírio. Massa cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, e naquele momento ele seria o campeão daquele ano... Bastava que Hamilton não conseguisse passar ninguém. Hamilton chegou na última curva ainda em sexto lugar... A frente de Hamilton estavam Vettel e Timo Glock, que ainda estava com pneus de pista seca e vinha quase que heroicamente resistindo as tentativas de ultrapassagem dos dois pilotos que o estavam perseguindo. Mas não teve jeito: Tanto Vettel quanto Hamilton passaram, o inglês assumiu a 5° colocação que precisava e foi campeão, literalmente, na última curva.
Schumacher x Todo mundo – Brasil – 2006
Pouca gente estava realmente interessada no título de Fernando Alonso, ou no próprio campeonato em si. Aquela era a despedida do hepta-campeão Michael Schumacher da Fórmula 1 (que acabou voltando depois, mas isso não vem ao caso agora), e o mundo todo só tinha olhos para isso. Schumacher ainda tinha chances (um tanto quanto remotas) de ser campeão, depois de uma temporada em que a sempre confiável Ferrari deixou ele e seu parceiro de equipe Felipe Massa na mão em muitas corridas. Essas chances no entanto duraram até a 8° volta: Giancarlo Fisichella, parceiro de Alonso na Renault, tocou de forma totalmente acidental o pneu traseiro de Schumacher com a sua asa dianteira.
Schumacher teve que parar para substituir e voltou em último lugar, 37.7 segundos atrás do penúltimo colocado. Começava o show.
Com uma sequência totalmente ensandecida de ultrapassagens e voltas cada vez mais rápidas, Schumacher fazia do circuito de Interlagos o seu parque de diversões. O próprio Schumacher declarou, aliás, que, embora não considere essa a sua melhor corrida, certamente foi uma das que ele mais havia se divertido. Isso por que, sem ter nada a provar pra ninguém e sem ter absolutamente nada a perder, o piloto alemão pôde arriscar tudo e mostrar todo o seu talento para um público privilegiado, que assistiu a um show de ultrapassagens (algumas delas simplesmente geniais).
Os adversários, totalmente incapazes de resistir, podiam apenas ver o carro vermelho passar e ir embora, quase como se eles estivessem parados. Da visão de Schumacher, provavelmente a corrida devia se parecer muito com uma partida de Enduro. De último colocado, terminou a corrida em 4° lugar. Faltou pouco pro pódio, mas nem precisava: Quem viu a carreira do alemão cansou de vê-lo no pódio. Mas quem vê Fórmula 1, poucas vezes viu corridas assim...
Senna e a volta perfeita - Inglaterra – 1993
Essa é um pouco diferente das outras: Se a maioria das provas citadas aqui se eternizaram pelo seu final eletrizante, a corrida disputada no circuito de Donnington Park ficou marcada pelo seu começo sensacional. Ou melhor, por um começo sensacional de Ayrton Senna, dando mais um dos seus shows na chuva.
Senna começou a corrida em quarto lugar. Assim que a largada foi dada, Schumacher lhe fechou a porta e o brasileiro acabou perdendo uma colocação, indo parar em quinto. Mas com chuva, não havia muito o que se fazer quando o Senna decidia que iria passar alguém. O que se viu foi uma primeira volta tão perfeita, que mais tarde lhe renderia uma placa. Senna partiu como um míssil e logo passou Andretti, recuperando a quarta colocação. A sua frente vinha um ainda inexperiente Michael Schumacher, que até fez o que pôde, e nos poucos segundos que o pega durou, ele dificultou ao máximo o trabalho do brasileiro, ao ponto de Senna ter que passá-lo com duas rodas fora da pista. Os esforços do alemão foram em vão, e Senna passou. Wendrigler era o próximo e foi passado sem maiores problemas.
O próximo era Damon Hill. Senna o passou na freada e partiu a caça de ninguém menos do que Alain Prost. O carro de Prost era 100cv mais potente que o carro de Senna. Mas podiam ser 1000 que não teria problema: Senna também passou e assumiu a liderança. Tudo isso na primeira volta. Senna ainda iria fazer uma corrida brilhante e vencer de forma incontestável naquele dia, chegando uma volta a frente de Prost, segundo colocado. Mas isso é só um detalhe...
Fangio x Hawthorne e Collins – Alemanha – 1957
A corrida era em Nurburgring, uma das pistas mais difíceis do mundo até hoje. E olha que hoje, Nurburgring é bem mais piedosa com os pilotos do que já foi no passado. Não por acaso a pista ganhou o apelido de “o inferno verde”. Aliás, no tempo de Fangio, não só o traçado era mais desafiador como ainda haviam obstáculos extras, como por exemplo, árvores nas áreas de escape!
Mas árvores a parte, o que preocupava os pilotos daquela época (que estavam mais do que acostumados a não praticamente nenhuma segurança nas corridas) era a dificuldade que eles tinham para pilotar e, principalmente, ultrapassar naquele circuito. Por isso, a pole-position era crucial.
E pole-position naquele tempo tinha nome e sobrenome: Juan Manuel Fangio. E pra variar um pouco, o argentino largou em primeiro, com as Ferraris de Hawthorn e Collin em segundo e terceiro lugar, respectivamente. A estratégia da Ferrari então era simples: Encheu o tanque dos seus carros de forma que seus pilotos não precisassem parar (na época não havia nenhuma regra que obrigasse as equipes a fazer um pit-stop, cabendo a cada uma definir suas estratégias como quisesse).
A corrida começou e logo Fangio foi ultrapassado pelas duas Ferraris. Apenas um alarme falso: Mais leve, Fangio recuperou a primeira colocação e disparou, abrindo nada menos que 28 segundos de vantagem. Com isso, ele tinha tempo de sobre para fazer sua parada e voltar ainda em primeiro, frustrando a estratégia da Ferrari. No entanto, não foi muito bem o que aconteceu: Um problema aparentemente bobo envolvendo um parafuso que sumiu no momento da parada custou muito tempo, e os 28 segundos de vantagem se transformaram em 51 segundos de desvantagem!
Fangio agora estava quase um minuto atrás dos seus rivais, em uma pista extremamente complicada. E não voltou muito rápido ainda: Suas primeiras voltas depois da parada foram péssimas, talvez causadas por uma desconcentração momentânea. Porém, faltando 7 voltas para o fim da corrida, o Maestro acordou. Começou a fazer voltas simplesmente inacreditáveis. Seus tempos passaram a ser, em média, 10 segundos mais rápidos do que o dos seus rivais...
Na penúltima volta, Fangio finalmente alcançou as Ferraris. Precisou de duas tentativas para ultrapassar Collins definitivamente. A próxima vítima era Hawthorn, que não ofereceu resistência e foi ultrapassado. Fangio foi embora e ainda abriu 3,6 segundos de vantagem, para vencer a corrida, garantir o seu quinto título e ser merecidamente levado nos ombros por Hawthorn e Collins até o pódio.
Excelente post. Adelaide, as duas no Brasil, e principalmente a do Senna em Donnington, eu posso dizer, que vi ao vivo.
ResponderExcluirEu nunca fui muito fã do Senna, gostava mais do Piquet. Eu vi, o Senna chegar na F1 na Tolleman e fazer aquela corrida fenomenal em Mônaco, porém, sempre gostei mais do Piquet. Eu era até, um pouco contra o Senna, mesmo porque, quando o Piquet saiu da Williams e foi pra Lotus, depois Benneton, teve pouca oportunidade de andar com um carro competitivo. Entao, eu era daqueles que achavam que o Senna, so ganhava com o melhor carro...mas, essa corrida, sinceramente, foi a maior demonstração de superioridade, de um piloto sobre os outros, que ja tive a oportunidade de ver na F1. E o Senna, não tinha o melhor carro, nem de longe...e ele, botou uma volta no Prost que terminou em segundo. Agora, passados os anos, concordo com a musica que acompanha o video.."Simply the best".